Bolsonarismo “raiz” transforma dissidentes em “nova esquerda”

Militantes que criticam qualquer ação do presidente entram na mira de seus apoiadores mais ideológicos

Raphael Veleda
Compartilhar notícia

A aliança conservadora que elegeu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem crescentes rachaduras não apenas na política institucional, onde o PSL se partiu em dois, mas também entre a militância que atua em um terreno muito caro ao bolsonarismo, as redes sociais. O núcleo mais ideológico de apoiadores do presidente tem até um rótulo para colar nos aliados que desviam do caminho: “nova esquerda”.

Esse grupo de “infiéis” é formado por pessoas que dificilmente se relacionariam com pautas identificadas com a “esquerda tradicional”, como os deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), o ex-candidato à Presidência João Amoedo (Novo), a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e os influenciadores digitais Nando Moura e Danilo Gentili.

O “esquerdismo” dessa turma, de acordo com o cientista político Rui Tavares Maluf, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, “não tem nenhum lastro na realidade, é um simplismo que serve apenas para distinguir quem não é 100% fiel ao governo, ao Bolsonaro”.

Espécie de ícone da “nova esquerda”, Hasselmann costuma responder com ironia aos ataques que recebe nas redes, mas se disse assustada com o volume de menções quando prestou depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, no início de dezembro. “É um comportamento de seita, uma coisa maluca. Se a pessoa tem uma mínima discordância, vira alvo, vira esquerdista”, afirmou, em ressonância com a fala do especialista citado no parágrafo anterior.

Bolsolavismo
Em comum, a militância que classifica críticas ainda que pontuais ao governo a um comportamento de “nova esquerda” demonstra fidelidade ao professor on-line de filosofia Olavo de Carvalho, espécie de guru do bolsonarismo.

E entre as razões que podem jogar um aliado ao terreno inimigo estão críticas ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) ou a decisões controversas do presidente Bolsonaro, como a sanção ao juiz de garantias na lei resultante do Pacote Anticrime.

Em entrevista recente à revista virtual Crusoé, o vereador de São Paulo e youtuber Arthur do Val, o Mamãe Falei (sem partido), disse que fez campanha para Bolsonaro e não se arrepende, mas avaliou que o que “mais atrapalha” o governo federal é o que chamou de “direita radicalizada”. “Em relação aos apoiadores mais ferrenhos, infelizmente, vemos gabinetes lotados de pessoas que, de fato, recebem dinheiro público para defender uma narrativa e um olavismo exacerbado, que passa por cima de toda a razão.”

Membro do Movimento Brasil Livre (MBL), do Val, também conhecido como Mamãe Falei, tenta se viabilizar como candidato a prefeito de São Paulo e enfrenta a oposição, além da esquerda “raiz”, de militantes de direita que o jogaram no balaio da “nova esquerda”.

O troco
A “nova esquerda” não apanha calada nos ambientes virtuais e as respostas costumam vir carregadas de ironia, como pode ser visto na postagem de Joice Hasselmann apresentada mais acima neste texto. Além de “gado”, os agentes políticos que ajudaram a eleger Bolsonaro e hoje têm diferentes graus de discordância com seu governo, chamam a militância mais fiel de nomes como “direita flaviana“, uma alusão ao filho do presidente que é investigado, e “petistas com sinal trocado”.

E, além de “nova esquerda”, o outro grupo também é atacado, mas com a versão em inglês da expressão, “new left”, ou seus membros são chamados de “isentões”.

O tema em maior disputa entre as duas facções no momento é a polêmica em torno da sanção ou não do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões. Após o próprio governo ter previsto o montante no Orçamento, Bolsonaro ameaçou vetar o artigo, mas depois voltou atrás, alegando perigo de impeachment.

Sair da versão mobile