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Apoiado pelo MBL, Flávio Rocha exagera dados econômicos do país

Empresário foi anunciado como pré-candidato pelo PRB e pesa a mão no cenário para os negócios no Brasil

atualizado

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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO
FLAVIO ROCHA
1 de 1 FLAVIO ROCHA - Foto: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO

No dia 27 de março, o PRB anunciou oficialmente o lançamento da pré-candidatura de Flávio Rocha à Presidência da República. Ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), ele é CEO do Grupo Guararapes, que controla empresas da indústria têxtil, como as lojas Riachuelo. A Lupa verificou entrevistas que o empresário concedeu desde o ano passado. Veja o resultado:

Divulgação

“Um projeto que eu muito me orgulho é o Pró-Sertão, que é levar 300 oficinas de costura a cidades de 5 mil, 10 mil, 15 mil habitantes”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista à Gazeta do Povo no dia 7 de março de 2018

projeto Pró-Sertão é uma parceria entre o Governo do Rio Grande do Norte, a Federação das Indústrias do RN e o Sebrae no estado. Consiste em um programa para apoiar a abertura de pequenas indústrias de confecção na região.

O projeto é citado no site do pré-candidato à presidência, mas a página informa que o Pró-Sertão teve 61 oficinas de costura em 50 cidades – menos de um terço das 300 citadas por Rocha na entrevista à Gazeta do Povo.

A Riachuelo, cadeia de lojas que integra o Grupo Guararapes, é uma das que se beneficiam do Pró-Sertão. De acordo com o relato que Flávio Rocha faz em seu site, a empresa aderiu ao projeto por acreditar “no potencial da indústria têxtil para promover o desenvolvimento social e econômico do interior do Rio Grande do Norte”.

Procurado, Flávio Rocha disse que o Pró-Sertão foi parado por uma autuação do Ministério Público em uma ação por danos morais, mas que continua sendo um projeto de 300 oficinas. “A autuação gerou uma incerteza jurídica. Não fosse isso, mais de 300 oficinas já estariam prontas”, afirmou.

Felipe Menezes/Metrópoles

No Brasil (…), no ano passado (2016), foram 3,5 milhões [de novas ações trabalhistas]”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista ao canal ‘Mamãe, Falei’, do YouTube, no dia 28 de março de 2017, com mais de 108 mil visualizações

Em 2016, houve 3,7 milhões de casos novos registrados na Justiça do Trabalho, segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2016.

Rafaela Felicciano/Metrópoles

“[O número de ações trabalhistas no Brasil] é mais do que a soma de todos os países do mundo”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista ao canal ‘Mamãe, Falei’, do YouTube, no dia 28 de março de 2017, com mais de 108 mil visualizações

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a comparação entre países no que diz respeito ao número de processos trabalhistas “não é possível”, uma vez que existem “enormes diferenças entre leis trabalhistas, sistemas jurídicos e disponibilidade de estatísticas”. A OIT afirma que não tem “conhecimento da existência de dados que comparem o número de ações trabalhistas em diferentes países”.

O  Tribunal Superior do Trabalho (TST) corrobora o que diz a OIT. Em nota, ressalta que “não tem dados para verificar tal hipótese” e que, apesar de vários países terem leis trabalhistas, muitos não têm Justiça do Trabalho, o que impossibilita comparações precisas.

sociólogo e professor da Universidade de São Paulo José Pastore fez um estudo sobre ações trabalhistas e publicou artigos comparando a situação do Brasil com a de outros 18 países, como Alemanha, Estados Unidos e França. Neste universo, o número de processos no Brasil é maior do que a soma dos outros países. Mas mesmo esses estudos não dão a dimensão de todos os países do mundo, o que enfraquece a comparação.

Procurado, o pré-candidato respondeu que se baseou no estudo de José Pastore e em conversas privadas com presidentes de multinacionais, como a Bayer e o Citibank. Segundo Rocha, o Brasil é responsável por mais de 80% dos processos sofridos pela empresa farmacêutica e o banco teria fechado suas operações no Brasil pelo excesso de ações trabalhistas.

Fabio Motta/ Estadão

“O Brasil está sempre entre os 20 piores países da Doing Business, do Banco Mundial”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista ao canal ‘Mamãe, Falei’, do YouTube, no dia 28 de março de 2017, com mais de 108 mil visualizações

Doing Business é uma publicação anual do Banco Mundial que analisa as leis e regulações que facilitam ou dificultam as atividades empresariais em diferentes países. O Brasil ocupava a 125ª posição no estudo de 2017, quando Rocha concedeu a entrevista. Mas o Doing Business analisou 190 economias. O Brasil, portanto, não estava entre as 20 piores, conforme sugeriu o pré-candidato.

O Banco Mundial utiliza dez pontos de avaliação para classificar as economias mundiais. O Brasil ficou nas piores posições em relação ao pagamento de impostos (184º lugar), à abertura de empresas (176º lugar) e à obtenção de alvarás de construção (170º lugar).  Contudo, o país também conseguiu boas classificações nos itens proteção de investidores minoritários (43º lugar), obtenção de eletricidade (45º lugar) e execução de contratos (47º lugar).

Nova Zelândia, Cingapura e Dinamarca foram as economias que mais se destacaram, segundo o Banco Mundial. Já Somália, Eritréia e Venezuela foram os países com as piores classificações.

iStock

“Hoje, você tem 37% de carga tributária, mais 10% de déficit”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista ao canal ‘Mamãe, Falei’, do YouTube, no dia 28 de março de 2017, com mais de 108 mil visualizações

O empresário inflou os números ao criticar o peso do estado brasileiro. A carga tributária no Brasil em 2016 foi de 32,38%, segundo dado oficial divulgado pela Receita Federal – abaixo, portanto, dos 37% citados por ele. Já o Banco Central informou que, naquele ano, o déficit nominal no país representou 8,93% do Produto Interno Bruto.

Procurado, Flávio Rocha afirmou que se referia ao pico da carga tributária em 2014. Nesse ano, contudo, a carga tributária foi de 33,47%, segundo relatório da Receita.

JONNE RORIZ/AE

“Nós competimos [no comércio exterior] com países cujas carruagens estatais são da ordem de 15%, 17%, no máximo de 20% do PIB”
Flávio Rocha, pré-candidato à presidência pelo PRB, em entrevista ao canal ‘Mamãe, Falei’, do YouTube, no dia 28 de março de 2017, com mais de 108 mil visualizações

Os cinco produtos mais exportados pelo Brasil em 2017 foram soja, minério de ferro, petróleo, automóveis e carne de frango, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A maioria dos países que competem com o Brasil nesses cinco mercados tem “carruagens estatais” que representam mais de 20% do PIB – patamar citado por Rocha na entrevista. Os dados são do Observatório da Complexidade Econômica.

Segundo dados do Índice de Liberdade Econômica de 2018, da Heritage Foundation, os tributos correspondem a 32% do PIB no Brasil. Isso faz com que o país tenha a 38ª carga mais alta na lista de 180 nações. Veja aqui.

No caso da soja, os principais exportadores do mundo são Estados Unidos, Brasil e Argentina. O peso da carga tributária no Brasil é o maior dos três países. Na Argentina, é de 31,3%, e, nos EUA, de 26,4% – sempre acima dos 20% apontados pelo pré-candidato.

Já em relação à carne de frango, o Brasil compete com os EUA,  mas também com Holanda e Polônia. O peso da carga tributária dos dois fica acima de 30% do PIB: Holanda, 37,8%, e Polônia, 32,1%.

A maior produtora de minério de ferro do mundo é a Austrália, sendo o Brasil o segundo. A carga tributária australiana é inferior à brasileira, mas, também está acima do patamar citado por Rocha. É de 27,8%.

Na lista de competidores que exportam automóveis e petróleo, há países com cargas tributárias iguais ou superiores à do Brasil, como Alemanha (36,9%) e Japão (32%), mas também há com inferiores ao patamar citado pelo pré-candidato, como a Arábia Saudita (8,7%).

Procurado, Flávio Rocha disse que se referia aos países que competem com o Brasil exclusivamente na indústria têxtil, como Singapura (14,2%), Vietnã (13,8%), Índia (17,7%) e China (17%), ainda de acordo com a Heritage Foundation.

*Com reportagem de Clara Becker, Nathália Afonso e Chico Marés

 

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