Análise: neófito velhaco, do Val usa mandato em proveito próprio

Sem apresentar explicações sobre emprego dado à namorada, senador do Espírito Santo ocupa a tribuna para atacar Metrópoles

Eumano Silva
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Marcos do Val (Cidadania-ES) chegou ao Senado em fevereiro de 2019 como um dos representantes da renovação do Congresso. Sem nunca ter ocupado cargo eletivo, venceu políticos tradicionais do estado e conquistou um mandato de oito anos.

Empossado, do Val tornou-se relator do pacote anticrime, uma das prioridades do governo. Assim, ganhou notoriedade entre os estreantes do baixo clero. Aliado da indústria armamentista, ele se empenha na defesa dos interesses do setor no Congresso.

Nos últimos dias, o parlamentar ficou conhecido, também, por indicar a namorada, a advogada Brunella Poltronier Miguez, para um cargo na Diretoria-Geral do Senado. Antes, ela esteve vinculada ao gabinete do próprio político. Revelado pelo Metrópoles, o caso teve grande repercussão nas redes sociais, na imprensa nacional e, em particular, no Espírito Santo.

Ao usar um cargo remunerado com dinheiro público para empregar a namorada, do Val demonstra que não titubeia em praticar a velha política com objetivos particulares. O discurso de renovação não resistiu à tentação de proporcionar uma colocação confortável para a protegida.

O amparo dado pelo senador permitiu a Brunella sair de um salário de R$ 2.300,00 no Espírito Santo e, no Congresso, atingir uma remuneração de R$ 10.805,49 depois de dois aumentos. O mandato parlamentar, portanto, serviu como cabide de emprego.

Nesta terça-feira (18/06/2019), o senador subiu à tribuna para defender o relatório sobre o pacote anticrime. Usou o discurso também para atacar o Metrópoles. Em vez de tentar justificar a mensagem, voltou-se contra o mensageiro. Ato imoral sem explicação plausível.

Sem contestar as informações publicadas pelo site, do Val afirmou ser vítima de perseguição. Quis relacionar a reportagem do Metrópoles à relatoria do pacote anticrime. Nada mais falso. O site faz uma cobertura factual sobre as propostas do governo para a segurança pública.

Do Val força a barra para inventar uma ligação entre a revelação do emprego da namorada e a relatoria das propostas. Esse é um discurso desonesto, próprio de quem foi flagrado em situação indefensável. A tramitação do pacote anticrime é uma coisa, a “boquinha” para a namorada é outra, muito diferente.

No final do discurso na tribuna, o parlamentar capixaba apelou para o espírito de corpo dos colegas. “Peço a todos os parceiros, os senadores, que não fiquemos desunidos, que sejamos unidos, porque essa imprensa carniceira está lá fora, rondando, tentando pegar e destruir a imagem de cada um aqui dentro”, rogou.

Esse discurso mostra o parlamentar coadunado com as práticas de compadrio do Congresso. No primeiro deslize, o novato apressou-se em pedir a proteção dos congressistas mais experientes em benesses federais.

Nesse aspecto, o político capixaba mostra-se coerente com seu comportamento. Ao usar um cargo onde a namorada não se subordina a ele, do Val lança mão de um dos subterfúgios a que parlamentares antigos recorrem para driblar a proibição de nepotismo. Certamente, não será assim que a política brasileira vai melhorar de patamar.

Vale, ainda, fazer um registro da mudança de opinião do senador em relação ao Metrópoles. Em abril, ele chamou jornalistas do site para se apresentar e mostrar como preparava o relatório sobre o pacote anticrime.

Na ocasião, do Val justificou o convite com a explicação de que o Metrópoles tinha grande audiência no Espírito Santo. Por essa razão, tinha interesse em estreitar as ligações.

Agora, flagrado em imoralidade, ele se volta contra a publicação. O mesmo site que era valorizado pela repercussão no estado, transformou-se em parte da “imprensa carniceira”.

A brusca mudança de discurso faz sentido no contexto da rápida adaptação de do Val ao baixo padrão ético de parte do Parlamento. Nesse rumo, deve-se esperar, ele continuará em evidência na mídia. Não pela qualidade de sua atuação, mas pela contribuição dada à desmoralização dos políticos.

Em tempo: algumas horas depois de fazer o discurso na tribuna, o senador teve uma demonstração de que ainda tem muito a aprender sobre como legislar. No mesmo plenário onde pediu a ajuda dos colegas, foi derrotado com a rejeição dos dois decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para flexibizar a posse de armas no Brasil.  Pode-se concluir que do Val assimilou rapidamente como se ocupa os espaços fisiológicos do Parlamento, mas ainda não sabe como convencer os pares a votar em suas propostas.

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