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Microcirurgias: entenda o método que ajudou a desafogar hospitais

Vítimas de acidentes de trânsito, arma de fogo e até tumor cerebral conseguem ir para casa antes do prazo de uma cirurgia convencional

atualizado

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Hospital Brasília/Divulgação
Fotografia colorida de centro cirúrgico com profissionais ao redor da maca
1 de 1 Fotografia colorida de centro cirúrgico com profissionais ao redor da maca - Foto: Hospital Brasília/Divulgação

Já pensou em fazer uma cirurgia delicada e no mesmo dia voltar para casa? Ou até mesmo arrancar um tumor com a ajuda de uma câmera e um robô? Apesar de parecer algo do futuro, as chamadas microcirurgias já são realidade e foram ferramentas essenciais para ajudar a desafogar os hospitais e deixar leitos livres durante a pandemia da Covid-19.

Médico otorrinolaringologista e coordenador de residência do Hospital Universitário Cajuru de Curitiba (PR), Marco César Jorge dos Santos relembra como as microcirurgias foram fundamentais nesta pandemia: “Aqui precisávamos atender todos os traumas da cidade, enquanto os outros hospitais ficaram muito restritos à Covid. Era um momento em que cirurgias eletivas foram suspensas e só realizamos cirurgias de emergências. Mas os traumas continuaram acontecendo, e a gente precisava continuar recebendo esses pacientes”.

Marco César diz que o hospital recebe pacientes que sofreram acidente de moto ou foram vítimas de arma de fogo, por exemplo. Foi nesse momento que, de acordo com ele, evoluiu a técnica de microplacas e microcirurgias.

“Antes demorava muito, a gente amarrava essas fraturas, os pacientes também eram amarrados por fio, com o desenvolvimento da medicina, agora fazemos essas microrremodelações, que são pequenas inserções”, pontua.

O coordenador do hospital diz que é um procedimento bem mais vantajoso para o paciente e que diminui os riscos de infecções: “Levantamos a pele, colocamos a placa. Não precisamos agora fazer grandes cortes”. E continua: “Antes, o paciente tinha alta em três ou quatro dias, hoje ele pode ter alta no mesmo dia”.

Outra boa notícia é que essas cirurgias também podem ser feitas 100% pelo SUS. “Antes da pandemia, já era algo comum o problema da ocupação dos hospitais, e lógico que essa questão das microcirurgias é uma técnica de alto custo, mas para o bem-estar não pensamos em valores”, destaca o médico, que acrescenta: “Quando o paciente sofre um trauma, ele tem um tempo para ser operado, senão as sequelas podem ser piores. Se não tivéssemos essa ferramenta, não iríamos ter condições de recuperar alguns pacientes”.

Ao Metrópoles Marco César também adianta um estudo no qual está trabalhando. Ele percebeu que durante esta pandemia e o isolamento social “estima-se que tenha ocorrido redução no número de atendimentos de casos de traumas em geral, inclusive de traumatismos craniofaciais, já que sua incidência está intimamente ligada ao deslocamento das populações, pois sua principal etiologia são os acidentes de trânsito”.

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Robôs

O neurocirurgião Carlos Alberto Mattozo traz outra novidade: “Já existem algumas técnicas que tornam a cirurgia mais rápida e menos invasiva para o paciente, como o caso do neuronavegador. Ele permite fazer uma incisão cirúrgica, às vezes sem nem cortar o cabelo do paciente, por meio de uma minicâmera, que permite visão de 360°, e mini-instrumentos você consegue operar”.

Mattozo afirma que o Brasil já utiliza esses equipamentos há mais de 10 anos, mas só ganharam visibilidade com a pandemia. Estudioso da área, o médico foi um dos pioneiros a trazer essa tecnologia para o país.

O médico chama a atenção para um novo método que surge agora, a utilização de robôs em cirurgias. “Mesmo controlado e guiado por uma equipe médica, a diferença de usar um robô é que ele pode fazer movimentos que a mão humana não é capaz”.

Com mais de 3 mil pacientes submetidos a microcirurgias, Matozzo afirma que o segredo para o sucesso e para o conhecimento na área é adquirir experiências operando pacientes sem distinção se é SUS ou particular.

O neurocirurgião também foi o responsável por operar, de uma forma “menos invasiva”, o vendedor de carros, de União da Vitória, no Paraná, Cláudio Adriano Bittencourt, de 45 anos, que descobriu neste ano um tumor cerebral.

A descoberta do tumor

Com mais de dois meses sentindo dores de cabeça em um quadro de sinusite, sangramento no nariz e manchas na visão, Cláudio decidiu procurar um médico. Depois de fazer uma ressonância magnética, o resultado veio: um tumor maligno de incidência rara, com o nome de estesioneuroblastoma.

A lesão começava no nariz, passava por trás do olho esquerdo e chegava às proximidades da região cerebral. O próximo passo – decidido em menos de um mês de intervalo – foi a cirurgia de alta complexidade realizada de forma minimamente invasiva.

“Foi tudo muito rápido e inesperado. Quando a gente fala em tumor, qualquer um se apavora, e ainda mais quando fala que é maligno, você fica sem chão. Eu precisava de um neurocirurgião, e na minha cidade não tem, tive de ir para Curitiba, e lá o dr. Carlos me acalmou um pouco. Ele explicou certinho como seria a cirurgia”, relata Cláudio.

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A proposta complexa da cirurgia foi realizar a retirada do tumor pelo nariz, sem precisar cortar uma parte da cabeça. De um lado da narina, era usada uma câmera e, do outro, um equipamento chamado shaver, com um tipo de ponteira, como se fosse uma caneta. “No final dessa ferramenta tem uma ‘espécie’ de triturador, que é extremamente útil para conseguir tirar rapidamente essa parte do tumor nasal”, detalha o médico.

A cirurgia durou seis horas e foi um sucesso. “O nosso trabalho também é mostrar para as pessoas o que é possível fazer. Grande parte dos cirurgiões acabaria abrindo o crânio do paciente por cima, fazendo uma craniotomia, uma conduta muito invasiva e traumática. Mas nós retiramos o tumor exclusivamente pelo nariz, o que traz muitos benefícios, principalmente na recuperação”, salienta Mattozo.

Quatro dias após a cirurgia, Cláudio teve alta do hospital. Ele faz consultas de retorno para acompanhar o caso. O procedimento cirúrgico, realizado no Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), foi feito 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e só foi possível por causa da agilidade do hospital.

Mattozo explica que esse tipo do tumor tem incidência imensamente baixa, de cerca de 1 caso para 1 milhão de pessoas. De acordo com o cirurgião, em mais de 20 anos de carreira, ele presenciou somente dois casos como o de Cláudio.

“A composição da equipe e as ferramentas necessárias são difíceis de conseguir nos hospitais, ainda mais quando pensamos em SUS. Para que tudo fosse possível, utilizamos um instrumento de tecnologia avançada e que, naturalmente, tem um custo elevado, além de ser restrito para locação e para pacientes de convênios particulares. Mas, nesse caso, tivemos a sorte de obtermos equipamentos de ponta para fazer o procedimento”, explica o médico.

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