Mais religião e “família tradicional”: o perfil dos parlamentares que tomam posse

Pesquisadora responsável pelo estudo afirma que risco de que aconteçam retrocessos em pautas sociais é "iminente"

Júlia Portela
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Na véspera da posse de 513 deputados e 27 senadores, um estudo mostra que o Congresso Nacional terá forte presença neoconservadora e da extrema direita a partir deste mês.

“Os brasileiros elegeram um Congresso Nacional mais conservador do que nunca em temas relacionados a direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, posicionamento sobre o cuidado, religião e posições antigênero”, diz a pesquisa.

O estudo, encomendado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), foi coordenado pela doutora em Ciência Política com pós-doutorado em estudos feministas interseccionais pela Universidade de Brasília (UnB) Denise Mantovani e analisou as redes sociais de todos os eleitos em 2022.

Na Câmara, a maior bancada eleita, com 99 deputados, é do Partido Liberal, sigla de Jair Bolsonaro, figura distante das pautas de gênero. Enquanto isso, a bancada feminista cresceu de 77 para 91 deputadas federais (17,7% das 513 cadeiras na Câmara), sendo duas delas mulheres trans.

Já no Senado, foram reeleitos 38,5% parlamentares. Na casa, o PL também terá a maior bancada, com 14 senadores, seguido pelo PSD, com 11; MDB e União Brasil, com 10 cada um; e pelo PT, com 9. Juntas, essas cinco bancadas vão perfazer dois terços do Senado. A bancada feminina no Senado contará com 11 representantes.

Assim, o levantamento evidencia que as políticas afirmativas, critério mínimo de 30% de vagas para o gênero feminino e 30% dos recursos públicos eleitorais de acordo com o critério de gênero e raça, não surtiram o efeito esperado nos parlamentares eleitos.

“O risco de retrocesso é iminente. Nós vivemos o último período dos quatro anos com várias tentativas de portarias para retroceder direitos. Mas uma resistência vem sendo feita no parlamento federal, em assembleias federativas”, explica a assessora técnica e de articulação política do Cfemea, Jolúzia Batista.

“Pode haver retrocesso de acordo com o jogo político que se colocar em algum ponto contexto da conjuntura.”

Religião

A pesquisa mostrou que 323 parlamentares dos 513 deputados eleitos fizeram declarações diretas ou menções a símbolos religiosos em mais de uma postagem. Somente 37% dos deputados e deputadas (190 eleitos) não fizeram posts com cunho religioso.

Dos que apresentaram algum vínculo religioso, a maioria declarou-se católico (46%), seguidos daqueles que se autodeclararam “cristãos” (28,8%), além de outros 24,6% que se declararam evangélicos.

Além disso, o estudo identificou que há no grupo dos “católicos” posições extremistas e fundamentalistas contra a igualdade de gênero. Durante o período observado, somente a deputada federal eleita, mulher negra, Dandara Tonantzin Silva Castro (PT/MG), que declarou-se vinculada à religião de Matriz Africana em suas redes sociais.

Já no Senado, 56% dos 81 senadores que ocuparão as cadeiras por, no mínimo, mais quatro anos, declararam vínculo com alguma religião. Desses, metade se declarara católica (16 senadores ou 36,3%) e “cristã” (16 senadores ou 36,3% dos 81 senadores), enquanto 25% (11 senadores) declararam-se evangélicos.

Família

A pesquisa identificou 48 parlamentares (9,36%) eleitos que disseram ser favoráveis à ideia de que uma família pode ser formada de variadas formas. No entanto, quase o dobro (82 senadores ou 16%) fizeram postagens associadas a posições tradicionalistas, sendo que “família tradicional” é a expressão mais utilizada para apresentarem suas candidaturas.

Sobre o cuidado com os filhos, 82 deputados ou deputadas (16% dos eleitos) mostram posições de viés hierárquico, patriarcal e tradicionalista.

No Senado, oito mostram ser favoráveis ao conceito pluralista de família, mesmo número de parlamentares contrário ao tema.

Violência de gênero

A pesquisa ainda aponta a Lei Maria da Penha, instrumento para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, é explicitamente apoiada por 130 deputados eleitos (25,34% dos 513). Outros 128 eleitos (25%) apresentam posições que sugerem potencial apoio à Lei , enquanto 50,2% dos eleitos (258 deputados) não fizeram publicações sobre o tema.

No Senado, 38 senadores (46,91%) do total de 81 posicionaram-se favoráveis à Lei Maria da Penha, além de 14 (17,28%) com posições potencialmente favoráveis

Em relação ao machismo, 59 dos 513 deputados (11,5%) fazem menção à sociedade machista como um problema cultural e estrutural relacionado à violência doméstica, enquanto o número de senadores foi seis. Sobre violência política de gênero, apenas 63 parlamentares (12,28%) se manifestaram, contra 14 perfis de senadores (17,28%).

A pesquisadora, entretanto, ressalta que, quando questionados sobre as motivações da violência contra a mulher, parlamentares fogem de questões fundamentais ao tema. “A gente entende que tem uma queda no que os deputados estão entendendo por esses problemas. As questões são muito subliminares, sem aprofundamento. Não se tem uma ideia dos problemas que estão colocados.”

Aborto

O estudo aponta que, de uma maneira geral, o tema do aborto não foi abordado por mais da metade deputados e deputadas: 56,73% (291 deputados) não mencionaram o assunto. Daqueles que abordaram, são majoritárias as posições contrárias ao direito ao aborto.

Foram 125 parlamentares (24,37%) contra a interrupção da gravidez e 16 deputados (3,12% dos eleitos) que se declararam favoráveis.

Em redes sociais de senadores, no entanto, o estudo não encontrou posicionamento favorável ao direito de interrupção da gravidez. Somente 4 com posicionamentos presumivelmente favoráveis (5% dos senadores), 22% (18 senadores) explicitamente contra o aborto.

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