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Mãe e filha enfermeiras lutam juntas contra a Covid – e o desespero

Fabiane Ávila tem mais anos (25) de enfermagem do que sua filha, Fernanda, tem de vida (24). Elas dividem missão de lutar para salvar vidas

atualizado

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Divulgação/HCPA
Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA
1 de 1 Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA - Foto: Divulgação/HCPA

Brasília – Brasil afora não faltam relatos de extrema dedicação na luta diária e exaustiva contra o coronavírus. Profissionais chegam ao fim do turno exauridos física e psicologicamente. Pensam: vou aguentar? E no próximo turno começam tudo novamente. A vida dos pacientes está acima de tudo.

Quem vê a rotina destes profissionais se assusta. Quem vê de mais perto ainda talvez pensasse em não querer uma vida destas para si. A gaúcha Fernanda Ávila, de 24 anos, cresceu vendo a mãe sair e chegar em casa vestida de branco. Enfermeira, Fabiane Ávila, 48, cuidava das pessoas. Tal qual encantamento, anos depois a filha seguiu o mesmo caminho.

Hoje, mãe e filha combatem juntas no Rio Grande do Sul batalhas que no momento são inglórias. O estado apresenta colapso no sistema de saúde e a capacidade de atendimento não dá mais conta de todos os pacientes graves. A situação é dramática. Mas nada faz Fabiane e Fernanda desistirem.

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Sem resposta

“Eu vou acordar?”, perguntou um paciente de 53 anos diagnosticado com Covid-19, na noite do último dia 28, à enfermeira assistencial Fabiane Avila, de 48, funcionária da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte, em Porto Alegre. O homem tomou um remédio para dormir e foi transferido a outro hospital. Hoje, a profissional de saúde ainda não tem resposta para a pergunta dele.

Com lotação superior a 300%, segundo a funcionária, a UPA Zona Norte se transformou em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), tratando de pacientes com o novo coronavírus em estados grave e gravíssimo. A unidade tem leitos para 24 pacientes. Mas há 69 internados – desses, 62 com Covid-19.

“Chegamos ao ponto de ter de fechar a UPA para não entrar mais ninguém. Quatorze pacientes deveriam estar internados em UTIs, mas também não há espaço em outros hospitais da cidade”, contou a enfermeira, em conversa com o Metrópoles, na sexta-feira (12/3).

De acordo com dados da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, a ocupação de leitos de UTI adultos é de 107,6% no estado. Há 3.129 leitos desse tipo no sistema de saúde local. Já o número de pacientes internados é de 3.368. Por sua vez, a taxa de ocupação de leitos privados é de 131,5%. A pandemia chegou a níveis inimagináveis.

“Temos um cenário de guerra. Cuido de seis pacientes que estão em ventilação mecânica, pois não há equipamentos disponíveis. E eles estão assim há cinco ou seis dias, sendo que no máximo deveriam ficar apenas 12 horas na UPA. É um sentimento de exaustão, ultrapassamos o limite. É muito triste para a gente ter que escolher para quem vamos entregar o ventilador”, conta.

Filha e colega

Fabiane tem 25 anos de experiência. Na bagagem, já trabalhou, por exemplo, com pacientes durante a pandemia de H1N1, em 2009 – mas a de Covid-19 é algo incomparável. A filha Fernanda, de 24 anos, que também está na linha de frente do combate à Covid-19, trabalhando como enfermeira na UTI do hospital Divina Providência, na capital gaúcha, se formou em julho de 2020. Em menos de um ano como profissional, já passou por experiências, segundo ela, “assustadoras”.

“Em outubro do ano passado, tive a experiência de atender um paciente que foi meu colega de faculdade. O estado de saúde dele era bem grave. Estava ruim e com muito medo. O acompanhei desde que foi intubado, mas infelizmente veio a óbito. Isso deixa o clima na UTI muito pesado. Ele era um de nós. Saí do plantão e voltei para casa chorando, no carro”, conta Fernanda.

Com o agravamento da pandemia do novo coronavírus no estado, a cena da jovem enfermeira chorando dentro do carro após sair do plantão se tornou corriqueira. “Nesse final de semana mesmo aconteceu de novo”, diz, ao contar a história de um médico internado em estado grave no hospital que a chamou durante a noite e desabafou. “Fui falar com ele e ele começou a chorar, apavorado. Depois veio à óbito”, afirma.

“São pessoas que têm histórias, família, mas se transformam em apenas corpos. À primeira vista, é uma coisa totalmente desumanizada. Escutei pedidos de ‘não de me deixem morrer’. É uma facada no coração”, prossegue a enfermeira.

Em uma tentativa de aliviar as dores na alma, Fernanda conversa com Fabiane diariamente. São trocas de experiência. Neste momento, o melhor amparo da filha tem sido a mãe – e o da mãe, a filha.

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