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Luciano Hang obteve 55 empréstimos do BNDES para transformar Lojas Havan em império

De 1993 a 2014, o empresário hoje investigado no Inquérito das Fake News, no STF, conseguiu R$ 72 milhões junto ao banco estatal

Arte/Metrópoles
Animação Luciano Hang
1 de 1 Animação Luciano Hang - Foto: Arte/Metrópoles

atualizado

Luciano Hang, o dono das lojas Havan, voltou ao noticiário na sexta-feira (24/7) ao ser incluído no grupo que teve contas no Twitter derrubadas. A decisão, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, insere-se no contexto do Inquérito das Fake News, que investiga a disseminação de notícias falsas. Hang é acusado de propagar uma prática da qual ele mesmo diz ter sido vítima ao longo dos anos.

Crítico da influência do Estado na economia, Luciano Hang, 57 anos, recorreu às ferramentas de financiamento governamental para montar o que hoje é considerado por especialistas um império do varejo.

Com 147 lojas espalhadas em 18 estados do país, o Véio da Havan, como é conhecido, conseguiu, entre 1993 e 2014, 55 empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que totalizam, em valores atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais de R$ 72 milhões.

Os dados, negados pelo empresário no passado e classificados de fake news, foram obtidos pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelam que Hang contratou uma média de 1,6 empréstimo por ano desde a fundação da empresa.

Os maiores volumes foram obtidos em dois momentos-chave da expansão do empresário nascido em Brusque, cidade que é polo da indústria têxtil em Santa Catarina e onde ele mora até hoje com a mulher, Andrea. O casal tem três filhos, os gêmeos Lucas e Leonardo, hoje com 23 anos, e Matheus, 20.

Hang começou a trabalhar aos 17 anos, na mesma fábrica de tecidos em que os pais eram operários. Aos 21, comprou uma pequena empresa do ramo e entrou no mundo dos negócios, com a meta de prosperar cada vez mais.

Ainda nos anos 1990, quando Hang separou-se do seu então sócio, Vanderlei de Limas – o nome Havan é a junção de sílabas que compõem nome e sobrenome dos fundadores –, e transformou a loja atacadista em varejo, foram contratados cinco empréstimos. A liberação do dinheiro ocorreu entre 1993 e 1997, ao longo das gestões Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Mesmo em menor número, esses foram os valores mais elevados que o catarinense conseguiu junto ao banco estatal de fomento. Em cifras atuais, correspondem a R$ 33,9 milhões. Na época dos primeiros empréstimos, havia apenas uma loja Havan, em Brusque. Após a injeção de capital, Hang ampliou o negócio e passou a ter três unidades.

O segundo momento em que o empresário mais obteve dinheiro do BNDES foi ao longo dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Embora os valores liberados tivessem sido mais baixos em relação aos anteriores, o número de empréstimos aprovados se multiplicou e chegou a 50.

Esse foi o período em que houve a maior expansão das lojas. Entre 2005 e 2014, Hang ampliou a quantidade de unidades e chegou a 57, com receita declarada em R$ 2 bilhões anuais.

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A rede ganhou ares de império, com bandeira fincada, ou melhor dizendo, com Estátua da Liberdade erguida por todo o país. A Havan costuma ter uma réplica do tradicional monumento da cidade de Nova York. Segundo a rede, trata-se de uma referência à liberdade de escolha dos clientes.

A loja de Brasília, contudo, é exceção, pois a legislação local não permite a instalação de estátua onde fica a filial candanga.

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O número de empréstimos obtidos pela Havan contrasta com os conseguidos por outros grandes grupos varejistas, que recorreram ao BNDES com menor frequência que Hang.

Segundo informações contidas na base de dados do banco a respeito de operações contratadas desde 2005, o Magazine Luiza fez 24 contratos; as Lojas Americanas, 14; e as Lojas Renner, três.

Os empréstimos tomados por Hang foram feitos em duas modalidades: Finame, que financia a compra de máquinas nacionais; e BNDES Automático, usado para bancar projetos de empresas.

Ex-presidente do Conselho de Administração da instituição, Carlos Thadeu de Freitas Gomes destacou que tanto a modalidade Finame quanto a BNDES Automático têm critérios no ato da contratação sobre o uso que será dado ao dinheiro. Essas questões ficam sob responsabilidade do banco que intermediou a operação.

Funciona da seguinte forma: quando o BNDES libera os recursos, o dinheiro vai para a conta de um banco. Essa instituição cuida dos trâmites na hora de receber e repassar o dinheiro ao cliente.

“O BNDES tinha que repensar sua parceria com os bancos privados, além de tudo, [o empréstimo] ficaria mais barato”, avaliou. “Hoje, há uma incapacidade de o banco dar dinheiro a quem precisa. Há recursos, mas é preciso mudar o modo de fazer as coisas”, complementou.

O próprio BNDES, ao revelar os dados via LAI, destacou as condições e a atribuição das responsabilidades dos bancos parceiros.

“É importante destacar que as operações com a empresa Havan Lojas de Departamentos LTDA (CNPJ 79.379.491/0001-83) foram celebradas na modalidade automática (indireta) – com a intermediação de agentes financeiros credenciados no BNDES, responsáveis pela análise, aprovação e acompanhamento do crédito, bem como pelo risco das operações”, destacou o banco, em nota.

Ao longo dos anos, as lojas Havan usaram seis bancos como intermediadores: Badesc, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Banco Safra e Banco J. Safra.

A assessoria de Hang foi procurada pela reportagem para comentar os empréstimos, mas não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.

No entanto, em vídeo publicado nas suas redes sociais em 2 de janeiro de 2020, Hang negou ter contratado empréstimos junto ao banco. Na gravação, ele assegurou que as informações eram falsas.

“É FAKE NEWS!”

“Como se fosse verdade que o ‘Véio da Havan’ pegou, durante a época do PT, empréstimos do BNDES. Quero dizer para vocês que é mentira. É fake news! A Havan, durante a época do PT, não pegou empréstimos, até porque eu já era inimigo deles, né?”, disse.

Na gravação, ele respondia a uma fala do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), que atribuiu o fato de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não ter feito a “abertura da caixa-preta do BNDES” devido à presença do nome de Hang por lá – o empresário catarinense é ferrenho apoiador do atual titular do Palácio do Planalto.

O Metrópoles questionou se Hang gostaria de mudar a sua versão a respeito do tema, já que o próprio banco público confirmou, de forma oficial, as operações no período. A assessoria do empresário, mais uma vez, não respondeu a esse questionamento e a nenhum dos demais assuntos abordados neste texto.

A pedido da reportagem, o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli analisou os números de empréstimos concedidos pelo BNDES às lojas Havan. Na avaliação dele, as concessões foram fundamentais para a construção do império empresarial.

“Foram muitos empréstimos e, coincidentemente, todos no banco público BNDES, por anos. Há momentos em que ele tem mais de um empréstimo por mês, é muita coisa”, afirmou. “Hang criou um personagem ‘santinho’, que diz nunca ter tomado dinheiro público ou se valido de incentivos, mas mamou nas tetas do governo por anos”, completou Piscitelli.

Como comparação, o ex-sócio de Luciano Hang, Vanderlei de Limas, contou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 2013, que a separação da sociedade se deu porque ele queria “ficar com os pés no chão”.

Dono da loja Vantex, Vanderlei pegou apenas dois empréstimos do BNDES entre 2006 e 2020. E tem apenas uma loja em Brusque. Questionado pelo Metrópoles sobre como era a parceria, ele disse que havia prometido a Hang não voltar ao tema. “Mas ainda somos amigos”, assegurou.

Veja todos os empréstimos concedidos pelo banco público às lojas de Luciano Hang ao longo dos anos, com os valores contratados à época e atualizados:

BENEFÍCIOS E ESTRATÉGIAS TRIBUTÁRIAS

Com os empréstimos do BNDES e o projeto de expansão em marcha, Hang também se valeu de outra ferramenta: buscar isenções, incentivos ou qualquer outro tipo de benefício em estados e municípios para espalhar a marca país afora.

Exemplo dessa tática ocorreu em 2015, quando o advogado e então presidente da Associação Comercial e Empresarial de Vilhena (Aciv), Josemário Secco, e o prefeito da cidade de Rondônia à época, José Luiz Rover, se encontraram na sede da entidade.

A reunião tinha um propósito: ligar para o empresário Luciano Hang, que pretendia abrir uma loja na cidade e contava com o auxílio de Rover para obter benefícios fiscais.

O prefeito havia encaminhado à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 280/2015. O objetivo era conceder isenções tributárias à empresa de Santa Catarina pelo prazo de 10 anos.

A proposta tinha a seguinte ementa: “Dispõe sobre a isenção de tributos municipais à empresa Havan Lojas de Departamento e Brashop S/A [empresa holding do grupo] pelo prazo de 10 anos e dá outras providências”.

A Associação Comercial e Empresarial de Vilhena, porém, acreditava que, como não havia essa previsão na Lei Orgânica do município, o projeto deveria ser mais amplo, para beneficiar todo o comércio local, e não apenas uma empresa de fora do estado.

“Vilhena não possuía uma lei desta, e toda vez que a isenção de impostos é tratada individualmente, como no caso da Havan, há conflitos, discussões e polêmica. O município precisa ter uma lei própria que defina as condições para proceder a isenção de impostos com equidade e justiça para todos”, disse Josemário Secco, à época.

Com a polêmica e a pressão dos empresários locais, o texto não chegou a ser votado na Câmara Municipal. Ainda assim, Hang obteve uma “forcinha” da cidade. Graças ao prefeito Rover, Vilhena permitiu que um terreno público fosse usado para a construção da loja.

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“Foi por meu intermédio que a Havan chegou a Vilhena. Eles tiveram benefício do município na abertura de uma rua. Tinha uma que interferia no loteamento [onde seria construída a Havan]. Foi feita uma parceria para ele entrar na cidade”, disse o ex-prefeito, em entrevista ao Metrópoles, ao explicar que a via pública tornou-se parte do empreendimento privado.

Segundo o ex-chefe do Executivo local, Hang, em contrapartida pelo benefício concedido, comprou esteiras e aparelhos de ar-condicionado para o aeroporto da cidade.

Um ano após a articulação para a ida da Havan a Vilhena, Rover acabou sendo afastado pela Justiça por supostos desvios de dinheiro público. Na época, chegou a ser preso.

Assumiu o cargo o então presidente da Câmara, Célio Batista. Nas eleições de 2016, quem ganhou foi Rosani Donadon, que, em 17 de março de 2017, determinou a retirada do projeto de lei que previa benefícios fiscais exclusivos à Havan.

Mesmo sem a regalia, a Havan inaugurou a loja de Vilhena em 3 de julho de 2018, cinco meses após Rover ser condenado a 55 anos de prisão, sob a acusação de praticar crimes nas secretarias de Obras e Comunicação. Atualmente, ele responde ao processo em liberdade.

DRIBLE NA CONCORRÊNCIA

O exemplo da tumultuada chegada da Havan a Vilhena se repetiu em outras cidades do país. No caso da cidade rondoniense, a pressão da Associação Comercial e Empresarial local evitou a aprovação do projeto de lei para dar regalias exclusivas ao grupo de Hang.

Em outros lugares do país, sindicatos patronais também criticaram uma das estratégias tributárias usadas pela Havan, que a coloca em vantagem sobre os concorrentes menores.

Há estados em que, ao se inscrever na Receita local, as lojas Havan usam a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) tanto para comércio varejista quanto de atacadista. Na prática, isso faz com que a empresa consiga redução tributária em determinadas praças.

A depender da localidade, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços (ICMS) cobrado das empresas de varejo é de aproximadamente 20%. Já para os atacadistas, o percentual fica em 11%. Com mais de um CNAE, a Havan paga menos tributos que concorrentes menores.

Situação semelhante ocorre, por exemplo, em Goiás, onde há três lojas do grupo: em Anápolis, Rio Verde e Valparaíso, no Entorno do Distrito Federal. Segundo a Secretaria de Economia goiana, as lojas Havan têm seis inscrições no estado, atuando como varejista e atacadista.

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“A Secretaria de Economia de Goiás confirma que as Lojas Havan têm seis inscrições no estado e matriz em Anápolis. A principal CNAE é comércio varejista. Há inscrição como comércio varejista e como atacadista”, destacou a secretaria, em nota.

Ainda de acordo com a pasta, “o estado não tem benefício fiscal que atende comércio varejista, somente para comércio atacadista”. A secretaria ressalta que, nessa última inscrição, as lojas pagam 11% de ICMS sobre as vendas.

A FINA LINHA DA LEGALIDADE

Segundo o advogado tributarista Eduardo Lourenço Gregório Júnior, sócio do escritório Maneira Advogados e secretário-geral da Comissão de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), existe uma linha tênue entre um planejamento tributário lícito e ilícito.

“Há uma margem grande para decidir a melhor forma de organizar a sua estrutura societária e de negócios. Quando o contribuinte não consegue demonstrar, em fiscalização, que teria outros fundamentos além da economia tributária, o Fisco costuma reagir”, disse. “De forma geral, há entendimento, entre os Fiscos, que um planejamento que visa somente a economia tributária não se sustenta”, explicou.

O presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal, Edson de Castro, é crítico da estratégia utilizada pela Havan. Segundo Castro, a manobra canibaliza a concorrência e precariza a situação de trabalho dos empregados.

“Essa prática prejudica os pequenos e os médios varejistas. No atacadista, paga o imposto menor, algo que os pequenos não têm como fazer porque não contam com o mesmo volume de vendas”, disse. “A Havan vende no varejo, mas paga como atacado. Vira uma concorrência desleal”, resumiu.

A Havan, em seu site, ostenta uma série de prêmios e reconhecimentos como empresa de varejo. Não há, contudo, destaque para o serviço de atacadista.

APARIÇÕES NA TV

Nos últimos anos, Luciano Hang se tornou uma figura conhecida do público brasileiro. Com visual chamativo – não raro, aparece em fantasias ou vestindo espalhafatosos ternos nas colorações verde e amarelo – e retórica polarizada, o empresário reúne uma multidão de quase 8 milhões de seguidores nas redes sociais – algumas delas bloqueadas pela Justiça –, além dos seus 22 mil empregados.

Segundo a edição de 2020 da lista de bilionários da revista Forbes, Luciano Hang é o sétimo homem mais rico do país, com uma fortuna estimada em US$ 3,6 bilhões – cerca de R$ 18,6 bilhões na cotação da última sexta-feira (24/7).

Mas foi em 2016 que as aparições públicas começaram a se tornar cada vez mais frequentes. Naquele ano, circulou a informação de que as lojas Havan teriam crescido em larga escala a partir de 2005 graças a vultosos empréstimos do BNDES.

Na época, surgiram boatos de que filhos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, além de Dilma Rousseff, estariam por trás da operação da Havan.

Irritado com a situação, Hang tentou colocar um fim às especulações em um comercial de TV. Ele mesmo, até então um homem mais focado nos bastidores do seu trabalho empresarial, apareceu nas telas, apresentando o seu rosto como sendo o dono das lojas Havan.

Em 2018, já com o governo de Michel Temer prestes a acabar, Hang, que era filiado ao mesmo MDB do então presidente, se desligou do partido e passou a adotar um discurso político alinhado ao do então candidato Jair Bolsonaro.

Com os petistas fora do poder, se associou às críticas que grupos liberais faziam sobre a intervenção do Estado na economia e tornou-se crítico ferrenho do lulopetismo.

Em janeiro daquele ano, ele comemorou com fogos de artifício, literalmente, o fato de a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manter a condenação de Lula no caso do triplex no Guarujá (SP).

Naquela mesma época, a fama do Véio da Havan aumentava, em especial na acirrada corrida pelo Palácio do Planalto, com o antagonismo entre a esquerda e a direita no país. Sob o mantra do antipetismo e as ações pró-Bolsonaro, Hang mergulhou na campanha, fazendo propagandas para o aliado.

DOAÇÕES A CAMPANHAS POLÍTICAS

O apoio a Bolsonaro não ficou apenas no discurso. Hang também doou dinheiro ao então candidato, mas, com a limitação imposta pela Justiça a doações por empresas, empenhou apenas R$ 7.384, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A prática de doações, no entanto, é antiga. O atual prefeito de Brusque, Jonas Oscar Paegle (PSB), por exemplo, recebeu R$ 30 mil de Hang em 2016.

Luciano Hang – Lojas Havan – Condenações

Outros políticos da Região Sul do país também contaram com a benevolência do empresário, como é o caso do atual governador do Paraná, Ratinho Júnior (R$ 100 mil), e dos vereadores Cleiton Bittelbrunn (R$ 15 mil) e Ernani Donizetti de Godoy (R$ 15 mil), todos eles apoiados financeiramente por Hang.

Há pessoas de partidos de esquerda e de direita entre os seus beneficiados. Em comum, a maior parte dos 14 receptores da verba de Hang em 2018 são de Brusque. Bolsonaro e Ratinho Júnior encontram-se entre as exceções.

A inserção na política nacional não ocorreu com grandes valores em dinheiro, mas o colocou no epicentro do escândalo de propagação de fake news.

O empresário foi alvo de uma denúncia, publicada no jornal Folha de S.Paulo, de que estaria financiando o disparo de mensagens em massa por WhatsApp,  nas quais opositores do então candidato Jair Bolsonaro eram difamados. Hang nega as acusações e, em entrevista ao apresentador Danilo Gentili, no dia 11 de dezembro de 2018, chegou a desafiar alguém a provar o seu envolvimento no suposto esquema.

No dia 27 de maio deste ano, porém, a Polícia Federal bateu à sua porta. Hang foi alvo de mandados de busca e apreensão relacionados justamente à propagação e ao financiamento de notícias falsas para beneficiar o atual mandatário do país. As ordens foram emitidas no âmbito do Inquérito das Fake News no STF, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Em nota publicada em suas redes, Hang negou, mais uma vez, envolvimento no esquema. O inquérito corre sob sigilo no Supremo. “Jamais patrocinei ou produzi fake news contra o STF ou qualquer membro da instituição”, disse.

Maio terminou revelando um contraste entre a entrada de Hang na vida pública e o seu último ato – até então – nela. Ao mesmo tempo em que colocou seu rosto e nome para jogo ao tentar barrar o que considerava fake news, hoje o empresário está no radar da Justiça exatamente pela suspeita de dar suporte a essa prática.

E a sexta-feira (24/7) o colocou de volta sob o escrutínio da lei, pois o ministro Alexandre de Moraes determinou a derrubada de contas bolsonaristas no Twitter. Entre elas, está a de Luciano Hang.

DA TIMIDEZ NA JUVENTUDE À ‘CASA BRANCA BRASILEIRA’

Nem sempre o empresário catarinense teve predileção pelos holofotes. As idiossincrasias de Luciano Hang foram sendo moldadas com o tempo e ao longo do crescimento da empresa.

Ex-professor de Hang na faculdade – ele estudou processamento de dados na Universidade Regional de Blumenau (Furb) nos anos 1980 –, Ricardo Radunz afirma que o empresário era, quando estudante, um garoto tímido e estudioso.

“Estudava muito, um verdadeiro CDF. Acreditava na formação para chegar aonde queria. E chegou. Mas não era como é hoje. Acredito que criou um personagem para ele mesmo, sem influência de terceiros, e passou a acreditar nisso”, contou Radunz.

Antes de aparecer no comercial de televisão falando da Havan, Hang dizia vestir-se apenas com o “jeans e camisa” vendidos na sua loja. Uma vez na mídia, veio o estilo mais chamativo pelo qual é conhecido hoje.

O processo de estilização pessoal de Hang seguiu um padrão semelhante ao de sua loja. No começo, quando era apenas um comércio varejista comum, a Havan ainda não contava com o design arquitetônico que remonta à Casa Branca – com colunas gregas e fachada neoclássica.

“Vim dos Estados Unidos e queria fazer uma loja linda, maravilhosa. Peguei o cartão postal da minha viagem, contratei dois arquitetos de Brusque e desenvolvemos a ‘Casa Branca brasileira'”, contou Luciano Hang, em vídeo.

A adoção do tema ocorreu em 1994, quando a Havan tinha oito anos. Os arquitetos mencionados são Antônio Zendron Neto e Carlos Fernando Muller, que não colocam a empresa no seu portfólio de clientes exposto no site.

Na inauguração do novo estilo, Hang contou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 2013, ter sido abordado por um garoto de 7 anos que disse faltar a Estátua da Liberdade para o prédio ficar “perfeito”. Anos mais tarde, ele adotou a ideia. “A estátua acabou virando meu totem”, disse ao jornal.

A maior estátua do Brasil, com 57 metros de altura, é justamente uma réplica do símbolo norte-americano construído em uma das lojas do conglomerado em Barra Velha (SC).

OS 419 TALENTOS DO SER HUMANO

Luciano Hang divide opiniões. De um lado, com o perfil motivador no ambiente de trabalho, ele é admirado e querido por funcionários. Do outro, seus inimigos o descrevem como “cruel” e “predador”. Em decisões judiciais, chegou a ter um pedido seu comparado a censura, quando questionou uma reportagem que mencionava processos dos quais foi alvo.

Com seis aeronaves em sua frota, boa parte delas da canadense Bombardier, concorrente da Embraer, Hang se orgulha de rodar o país com frequência para visitar as suas lojas e garante estar presente em todas as inaugurações.

Nesses encontros com funcionários, ele posta vídeos nas redes sociais, gerenciadas pela empresa FLM Propaganda e Publicidade, na qual é sócio do seu irmão, João Luiz Hang, e que presta serviços apenas para a Havan. Nas filmagens, figura ao lado dos colaboradores e dá palavras de incentivo.

O empresário cobra dedicação e pede que os funcionários vistam a camisa da empresa e comprem as suas ideias. Nesses vídeos, as pessoas aparecem felizes no trato com o chefe. Nas lojas, igualmente, os funcionários são elogiosos a Hang. Em ao menos 10 conversas informais com trabalhadores de cinco lojas de diferentes localidades do país, a reportagem ouviu relatos positivos.

“Você tem 419 talentos. Quando nasce, cientificamente, você tem 419 talentos. Então, use os seus talentos”, disse Hang em um vídeo ao lado de uma funcionária, identificada como Juliana, em fevereiro de 2018. Frase semelhante foi repetida na entrevista a Danilo Gentili.

A mencionada teoria científica dos 419 talentos, porém, não encontra respaldo na literatura nos idiomas português, inglês ou espanhol. Não há autores ou citações às supostas características inerentes ao ser humano em diversas bases de dados consultadas.

Por outro lado, a motivação parece surtir efeito entre os empregados de Hang. A Juliana do vídeo foi premiada como a melhor vendedora da loja em 2018.

“SOU UM PÉSSIMO INIMIGO”

O lado “motivador” que Hang mostra ao público contrasta com a ferocidade com que ataca os inimigos. O próprio Hang admitiu, em entrevista ao SBT no dia 8 de julho de 2018, que não é uma pessoa fácil de lidar quando contrariado. “Sou um ótimo amigo, mas um péssimo inimigo, porque eu não desisto”, disse.

Na mesma entrevista, reconheceu que, ao longo da vida, não fez “tudo certo”. “Se você disser que fez tudo sempre certo, você é um mentiroso”, disse.

Um dos adversários do Véio da Havan conta como é enfrentar o empresário. O ex-deputado estadual por Mato Grosso Ademir Brunetto foi contra a instalação de uma loja Havan na sua cidade, Alta Floresta, após Hang ter anunciado o plano de investimento.

Para Brunetto, a estratégia fiscal de Hang, de pagar menos impostos ao se declarar atacadista, colocava empregos em risco na localidade por supostamente canibalizar a concorrência.

Após semanas de embates públicos, que renderam, inclusive, uma publicação das críticas do ex-parlamentar em reportagem do tradicional jornal norte-americano The New York Times, Hang anunciou que não iria mais para a cidade e culpou Brunetto pela desistência do investimento.

“Os ataques do deputado Ademir Brunetto, que representa Alta Floresta na Assembleia Legislativa e que está tentando, insistentemente, desqualificar a Havan como um bom investimento para Mato Grosso, nos leva a acreditar que não somos bem-vindos em Alta Floresta e, por isso, vamos seguir em frente”, disse Hang, em nota do dia 28 de maio de 2013, segundo a imprensa local.

Com ampla repercussão nos veículos de mídia da região, a nota, avalia Brunetto, impactou sua carreira política.

“Pessoas acham bonito uma loja que ostenta o simbolismo da liberdade econômica. As pessoas simples acham o máximo, mas não entendem o impacto disso nos impostos e na geração de serviços para o seu próprio bem”, afirmou, recordando os ataques que diz ter sofrido. “Ele [Hang] é cruel contra os adversários. É um predador.”

Brunetto, após a polêmica, candidatou-se ao cargo de deputado estadual novamente em 2014, mas não conseguiu se reeleger.

Em um outro episódio – desta vez, na Justiça –, um veículo de mídia ligado a um sindicato de professores do Rio Grande do Sul publicou, em 2018, parte dos empréstimos de Hang captados junto ao BNDES, e mencionou uma condenação que ele sofreu em segunda instância por sonegação de impostos.

O empresário, então, processou o grupo em duas frentes: como pessoa física e como pessoa jurídica, em nome da loja. A matéria, do jornalista Flávio Ilha, foi publicada no jornal Extra Classe.

Hang afirmou, na peça jurídica, que havia notícias falsas na reportagem, o que não foi constatado. E disse que, por ser de um campo político oposto ao do sindicato, e ter comemorado a condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teria se tornado alvo dos sindicalistas.

Acórdão de apelação by Metropoles on Scribd

Hang se queixou, ainda, que a reportagem mencionava uma condenação que ele mesmo sofreu no passado, apesar de o caso já ter sido encerrado. O Véio da Havan e a sua loja pediam que a reportagem fosse tirada do ar e cobrava indenização de R$ 20 mil.

O tribunal negou provimento à ação e o desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana respondeu, por sua vez, que a própria argumentação de Hang ia na direção oposta à do seu pedido.

“O empresário Luciano Hang é uma pessoa pública. Confessa ser adversário dos ideais do sindicato réu e refere que a matéria questionada teria sido divulgada em resposta ao fato de ter comemorado a confirmação, em segundo grau, de jurisdição da condenação criminal de outra pessoa pública apoiada pelo réu [Lula]. Ou seja, comemorou fato não definitivamente julgado. Se fez isso, não pode reclamar por ter sido levado a público informação judicial que o condenara também em segundo grau de jurisdição por crime fiscal”, rebateu.

Na mesma sentença, o desembargador afirma que “dizer que o réu fez publicação ilícita só por que divulgou fato que depois veio a ser reconhecido como prescrito (pretensão punitiva) pelo Supremo Tribunal Federal é o mesmo que impor censura”, concluiu.

Hang, que se valeu da mídia para rebater o que alegava ser notícia falsa, criou um personagem. Hoje, essas características vêm sendo desconstruídas e as contradições são expostas.

O empresário que defende o liberalismo construiu seu império com grandes empréstimos de dinheiro público.

O ativista político agressivo apenas comprava causas quando elas não contrariavam o grupo político no poder.

Agora, o personagem midiático que amealhou milhões de seguidores nas redes sociais teve os perfis bloqueados por ordem da Justiça e, até que consiga reverter a decisão, terá que encontrar outro meio para voltar à ribalta.

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