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Do Rio a Fortaleza: o calvário das indenizações após desabamentos

O Metrópoles conversou com parentes de vítimas da tragédia em Fortaleza e com o juiz que condenou construtora no caso Palace 2, no Rio

atualizado

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KLEBER GONCALVES/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADAO CONTEUDO
DESABAMENTO PR…DIO RESIDENCIAL EM FORTALEZA
1 de 1 DESABAMENTO PR…DIO RESIDENCIAL EM FORTALEZA - Foto: KLEBER GONCALVES/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADAO CONTEUDO

Dias após o desabamento do Edifício Andrea, em Fortaleza, o amontoado de entulho revela o início de uma cruzada para o recebimento de indenizações e reparações judiciais dos danos sofridos com a tragédia. Em alguns casos, a Justiça demora a ser feita. Um desses exemplos é o Palace 2, prédio que ruiu em fevereiro de 1998, no Rio de Janeiro, e cujas vítimas ainda não foram integralmente ressarcidas, 21 anos depois.

No caso cearense, nove pessoas morreram e um sem-número de famílias foram prejudicadas, entre moradores do prédio, vizinhos e até mesmo quem simplesmente passava pelo local. Em casos como este, a Justiça prevê duas punições distintas: criminal (que vai apurar a responsabilidade pelo acidente) e cível (para calcular e cobrar indenizações).

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão (foto abaixo) foi o magistrado que garantiu a primeira indenização aos prejudicados pelo desabamento do Palace 2, no Rio de Janeiro. À época, era juiz de primeira instância. “Dentro da apuração, onde vai se buscar as causas efetivas, tem que se avaliar se foi o projeto, a construção, o material, a empresa que realizou a reforma e se o Estado teve algum tipo de influência com a falta de fiscalização da obra e todos os demais aspectos”, explica.

Reprodução/YouTube
Luis Felipe Salomão, hoje ministro do STJ, julgou o caso Palace 2, desabamento de prédio no Rio em 1998

Os moradores dos 120 apartamentos ocupados – do total de 176 – receberam, no máximo, um quarto das indenizações devidas pela construtora Sersan, responsável pela obra. “É praticamente um assassinato diário que essas pessoas sofrem ao longo do tempo que isso não é reparado. Mesmo quando a reparação é célere, é uma tragédia irreparável”, pondera o ministro.

O calvário jurídico, segundo ele, se confunde com o luto. “É a história da vida perdida”, reflete. “A ideia é recompor a vida daquela pessoa que perdeu tudo. Pode fornecer uma indenização recompensatória, pensão durante a sobrevida da vítima, compensação patrimonial com valor do imóvel e dano moral”, explica.

Pela experiência, o ministro indica o que deve ser feito durante a apuração. “É muito importante uma perícia imediata para se apurar a real causa do acidente. A obra estava regularizada? Não tinha nexo causal do acidente com a prefeitura ou o Estado?”, questiona.

Mesmo quando a punição ocorre e as famílias são reparadas, o ministro diz que as vítimas sofrem traumas indeléveis. “É sair com a roupa do corpo e não encontrar mais nada, nem parentes, nem documentos, nem pertences – a sua vida. Não é que está interditado temporariamente. Nunca mais se verá nada daquilo”, lamenta.

O trauma de quem viveu o desabamento
O Metrópoles conversou com parentes de vítimas da tragédia envolvendo o Edifício Andrea. O pai do gerente bancário Nazareno Façanha Gomes, de 36 anos, é um dos atingidos pelo desabamento na capital cearense. O auxiliar administrativo Gilson Moreira Gomes, de 58, fazia compras no mercadinho vizinho ao prédio quando a estrutura ruiu.

Ele ficou preso nos escombros por seis horas. Foi salvo por uma geladeira que impediu uma placa de concreto de o esmagar. Desde terça-feira (15/10/2019), Gilson já passou por duas cirurgias paliativas e continua internado no Instituto Doutor José Frota, onde se recupera. “É uma recuperação lenta, com cuidados especiais”, conta Nazareno.

Na última sexta-feira (18/10/2019), ele afirmou que pretende recorrer à Justiça para reparar os danos sofridos pelo pai e pela família. “Advogados amigos vão entrar com uma ação. Registramos um boletim de ocorrência e queremos que ele [Gilson] passe por uma exame de corpo de delito. O advogado vai conversar com meu pai e juntar provas para entrar com uma ação”, adianta.

Apesar da investida, ele é enfático ao dizer que apagar o trauma e aliviar os sentimentos vividos durante as horas do resgate é impossível. “É um desastre inexplicável. Minha casa tem dois andares, fico olhando para o teto com medo. Não consigo dormir direito. Meu pai viu um homem morrer na frente dele e não conseguiu ajudá-lo. O trauma psicológico será maior que o físico”, pondera.

Material cedido ao Metrópoles
Nazareno Façanha (E) estuda recorrer à Justiça para que o pai, Gilson Moreira (D), seja indenizado. Ele se recupera após ficar seis horas soterrado

A tia dele, a promotora de vendas aposentada Jocelia Gomes Moreira, de 61, concorda. Ela ficou sabendo do acidente com o irmão pelas redes sociais e chegou ao local da tragédia em menos de 10 minutos. “Nosso principal foco são os cuidados com a recuperação dele, mas claro que fica um trauma, uma dor. Sabemos que temos direitos”, desabafa.

Jocelia conta que Gilson havia saído de casa para fazer compras, quando o desastre ocorreu. “Ele estava no lugar errado e na hora errada”, lamenta. Gilson conseguiu ligar para um dos seus três filhos e avisar que havia sido soterrado pelas ruínas do prédio. Um conhecido havia esbarrado nele minutos antes e confirmou que estava sob os escombros.

Apesar do drama pessoal, ela se sente aliviada de a catástrofe ter atingido menos pessoas. “Pelo horário [o prédio desabou por volta das 10h30], muita gente estava na escola e no trabalho. Se fosse em uma hora na qual todo mundo estivesse em casa, seria ainda pior”, comenta.

Judicialização e investigações
Elizabeth Chagas, titular do Núcleo de Habitação de Moradia da Defensoria Pública do Ceará, conversou com algumas famílias, mas, por orientação de psicólogos, não abordou questões jurídicas. “Independentemente da situação, a Defensoria Pública está à disposição de todos para ajudar juridicamente”, garante.

Ela explica que a organização de um mutirão para a retirada de documentos e o fornecimento de aluguel social para os moradores do prédio estão entre as primeiras ações da Defensoria Pública para minimizar os efeitos da tragédia. “Muita gente está com dificuldade de providenciar liberação de corpo para sepultamento, por não ter mais os documentos”, conta.

A defensora pública disse que aguarda o desenrolar das investigações para definir uma estratégia judicial, como uma ação coletiva. “Temos que esperar a responsabilização pelo acidente e, pelo pouco tempo desde o desabamento, ainda não fomos procurados pelas famílias para tratar desse assunto”, conclui.

O procurador-geral de Justiça do Ceará, Plácido Rios, determinou que o Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc) acompanhe as investigações do desabamento. “[O Nuinc] Adotará todas as providências necessárias para apurar as responsabilidades e evitar que casos dessa natureza voltem a ocorrer. A abertura ou não de algum procedimento dependerá da remessa de relatórios da perícia forense, bem como do inquérito policial, quando de suas conclusões”, explica o Ministério Público do Ceará (MPCE), em nota.

No Rio, vítimas quase perderam indenizações
Mais de 20 anos separam a tragédia do Palace 2 e a do Edifício Andrea. O hoje ministro do STJ Luis Felipe Salomão lembra que, ao determinar o pagamento das indenizações, as vítimas quase perderam a recompensa.

O imbróglio começou com a dificuldade de localizar, junto aos condenados pelo desabamento, patrimônio que pudesse ser usado no pagamento. A construtora Sersan, de propriedade do empresário ex-deputado Sérgio Naya, foi responsabilizada pelo acidente. As investigações apontaram erros na execução do projeto, em pilastras da garagem.

O então juiz Luis Felipe Salomão localizou um hotel de alto padrão que havia sido transferido do nome de Naya para um grupo empresarial do qual o empresário também fazia parte. O magistrado leiloou o imóvel e conseguiu os recursos para o pagamento das reparações. Contudo, no dia em que o depósito seria feito, a União, que também acumulava dívidas de Naya, entrou com uma ação pedindo que os recursos fossem retidos para o pagamento da dívida tributária.

“Eu recorri ao STJ. Numa época em que não tínhamos internet e celulares, mandei um fax pedindo que o banco fosse fechado. Eu fechei o banco [risos]. Quem estava dentro não saía, e quem estava fora não entrava. Até o tribunal decidir, o gerente ficou lá. Ele poderia ter pago, mas ficou com medo”, lembra.

No outro dia, o Banco do Brasil pagou parte das indenizações. “Às 9h, eu liguei para o gerente e disse: ‘Ou você paga, ou sairá preso’. O STJ decidiu que o dinheiro ia para as vítimas. Quando as pessoas pegaram o dinheiro, foram embora fazendo festa. Foi bonito de se ver. Uma delas me disse algo que nunca esqueci: ‘Não é pelo dinheiro. É uma parcela da dignidade’. Isso me marcou bastante”, encerra.

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