metropoles.com

Lupa: imagens falsas não citam candidatos, mas ratificam ideologias

A UFMG e a USP monitoraram mais de 300 grupos de WhatsApp para entender como são as conversas sobre política no aplicativo

atualizado

Compartilhar notícia

iStock
fake news
1 de 1 fake news - Foto: iStock

Entre 16 de agosto e 7 de outubro, 347 grupos públicos de WhatsApp foram monitorados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade de São Paulo (USP) no intuito de entender como se dá a conversa política no aplicativo de mensagens mais popular do Brasil.

Cinquenta das imagens mais compartilhadas por esse conjunto de pessoas nesse período foram analisadas pela Lupa nos últimos dias e levaram à publicação de um conjunto de sugestões técnicas que poderiam ser temporariamente implantadas pelo WhatsApp para fazer frente à desinformação.

Chamou atenção, no entanto, o fato de que oito das 50 imagens avaliadas além de serem falsas também não faziam nenhuma referência direta aos dois candidatos que passaram aos segundo turno das eleições presidenciais: Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Veja a seguir um pouco mais sobre cada uma delas:

“Dilma e Fidel em Cuba”

Segundo os dados do projeto Eleições sem Fake, da UFMG, essa imagem foi compartilhada 78 vezes nos grupos monitorados. Como já havia mostrado a Lupa, trata-se de uma montagem feita a partir de registro de John Duprey para o jornal “NY Daily News”, em 1959. Em abril daquele ano, Castro foi aos Estados Unidos para celebrar o resultado da revolução cubana. Dilma, por sua vez, tinha 11 anos. Ela nasceu em dezembro de 1947. A reportagem não conseguiu identificar a mulher loira presente na imagem real.


“O Brasil tem 22 hidrelétricas, das quais 20 foram construídas durante o regime militar”

Esta imagem, compartilhada 67 vezes nos grupos monitorados pela UFMG, informa que, durante a ditadura militar brasileira (de 1964 a 1985), foram construídas 20 das 22 hidrelétricas que existem no Brasil. O texto é acompanhado pela imagem dos cinco presidentes que o país teve naqueles 21 anos.

O dado, no entanto, é incorreto. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil tem 218 usinas hidrelétricas. Dessas, 45 foram inauguradas entre 1964 e 1985. Ao analisar as 20 que atualmente mais geram energia elétrica, vê-se que 10 delas foram inauguradas durante o regime militar. Veja a lista completa aqui.


“José Serra terrorista”

Segundo os dados da UFMG, esta imagem foi compartilhada 62 vezes. Mas ela mostra um documento falso, já desconstruído por sites de verificação como Boatos.org. A foto, que seria a reprodução de uma suposta ficha criminal, não foi elaborada por nenhum órgão público durante o período ditatorial. Além disso, viralizou pela primeira vez nas eleições presidenciais de 2010, quando José Serra (PSDB) foi derrotado por Dilma Rousseff (PT). É fato, porém, que Serra, atualmente senador tucano por São Paulo, teve problemas com o regime militar: em sua biografia, o político, que chegou a ser presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), relata que foi forçado pelo governo militar a se exilar fora do Brasil.


“Dilma terrorista”

A suposta ficha criminal de Dilma Rousseff (PT) também viralizou nos grupos de WhatsApp monitorados pela UFMG. Circulou 55 vezes no período acompanhado. Ela também apareceu pela primeira vez na web durante as eleições presidenciais de 2010. A falsificação do documento é, no entanto, ainda mais grosseira, uma vez que traz uma foto colorida da ex-presidente da República. O Boatos.orgapontou ainda que as impressões digitais que constam nos “documentos” de José Serra (verificado acima) e da petista são as mesmas.

Em 2009, a Folha de S.Paulo se corrigiu por ter publicado uma versão da ficha criminal falsa de Dilma, que à época era ministra da Casa Civil do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a reportagem, à época, Dilma participava de um grupo que planejou o sequestro do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, em 1969. A ex-presidente militou em organizações de esquerda que defendiam a luta armada contra a ditadura desde 1964. Foi presa em São Paulo, em 1970, e submetida a torturas. Foi solta no final de 1972.


Pessoas da globolixo que não votam em Bolsonaro!!!”

foto, compartilhada 53 vezes nos grupos monitorados pela UFMG, vinha acompanhada da informação de que mostrava pessoas de alguma forma relacionadas à Rede Globo (“globolixo”) que não votariam em Jair Bolsonaro.

O registro, na verdade, data de junho de 2015 – bem antes das eleições deste ano – e foi feito durante a Heritage Pride March em Nova York, que é uma das maiores paradas gay do mundo, ao lado da de São Paulo.


“O Globo de hoje!!!”

Esta foto, compartilhada 46 vezes nos grupos monitorados pela UFMG, vinha acompanhada da informação de que tinha sido publicada naqueles dias pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Uma busca no acervo do jornal mostra, no entanto, que ela não saiu nas páginas da publicação durante o primeiro turno da campanha. O registro é de 2011 e foi feito no festival de música Burning Man, celebrado no deserto de Nevada, nos Estados Unidos. Ela mostra Jesus beijando Benjamin Rexroad, que dirigiu a produção “Corpus Christi.”

Não é a primeira vez que essa foto aparece nas redes. Ela já havia circulado também falsamente em 2015 como se tivesse sido registrada durante a parada gay de São Paulo. À época, o site e-Farsas fez esta checagem.


“Feministas invadem igreja defecam e fazem sexo”

imagem que teve 43 compartilhamentos nos grupos monitorados pela UFMG é resultado de uma montagem com registros de dois eventos diferentes – e nenhum deles tem qualquer relação com protestos realizados por grupos feministas no Brasil. Eles já foram, inclusive, objeto de checagem feita pelo site Boatos.org.

A primeira imagem mostra um casal fazendo sexo em Oslo, capital da Noruega, em 2011. Eles fazem parte de um grupo que acredita que a prática sexual em espaços públicos pode aumentar a conscientização sobre as florestas e a natureza, de acordo com informações do jornal San Francisco Chronicle, dos Estados Unidos.

As imagens que aparecem na parte de baixo do viral são de um protesto realizado na catedral de Buenos Aires, capital da Argentina, em 2015, segundo reportagem do jornal Clarín. O protesto foi realizado contra a vitória de Maurício Macri nas eleições presidenciais daquele ano.  Em 2016, a foto viralizou como sendo de uma catedral na Espanha.


“Consumo no Brasil”

 

Este gráfico teve 39 compartilhamentos nos grupos monitorados pela UFMG. Segundo o Contas Nacionais Trimestrais, ao contrário do que ele indica, o consumo das famílias não diminuiu, mas cresceu 1,8% entre 2011 e 2016. O da administração pública, por sua vez, subiu 3,1%. Os dois são componentes do Produto Interno Bruto.

*Leia a íntegra do estudo feito pela Lupa, em parceria com a UFMG e a USP, aqui e o artigo de opinião publicado no jornal “The New York Times” aqui.

**Este artigo foi publicado pelo site da Época no dia 18 de outubro de 2018.

Reportagem: Chico Marés, Clara Becker e Leandro Resende. Edição: Cristina Tardáguila e Natália Leal

Compartilhar notícia