Legalização da maconha arrecadaria R$ 12,9 bi em tributos ao Brasil

Economistas preveem que a liberação seria rentável para o país e poderia ajudar na diminuição de valores de medicamento à base de cannabis

Juliana Barbosa
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O Brasil ainda enfrenta uma batalha quando o assunto é a legalização da maconha, mesmo para uso medicinal. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já decretou que durante seu governo não será liberado o plantio da substância no país.

Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a venda de produtos à base de cannabis. Com a decisão, empresas farmacêutica iniciaram a venda desses produtos no Brasil. O Mevatyl, primeiro remédio à base de maconha no Brasil, por exemplo, custa cerca de R$ 2.700 por uma embalagem com três ampolas de 10 mL.

O Senado e a Câmara do estado de Nova York (EUA) aprovaram, no fim de março, a legalização da posse de até 85 gramas de maconha e o cultivo e a venda da droga para maiores de 21 anos.

A legalização pode render ao estado cerca de US$ 350 milhões (R$ 2 bilhões) por ano em renda tributária. Já no Brasil, economistas apontam que o país poderia faturar entre R$ 10,73 bilhões a R$ 12,9 bilhões em tributos caso o uso fosse legalizado.

Um estudo datado de 2016 do governo federal calculou que 2.744.712 de pessoas usam maconha mensalmente no Brasil. Supondo ainda um consumo per capita igual ao que foi regulamentado no Uruguai (40 gramas por mês), e tomando a expectativa de U$ 1,20 para a venda de um grama da substância em farmácias credenciadas no país, cada usuário no Brasil poderia adquirir cerca de US$ 48 de maconha por mês. Desta forma, o gasto anual com maconha no Brasil seria de R$ 2.073,60 por usuário. Assim, multiplicando o número de usuários pelo gasto per capita, obteve-se um valor anual com maconha no Brasil de R$ 5,69 bilhões.

“O imposto a ser cobrado em cima de produto está associado à mensagem que o governo quer passar àquela indústria. No caso da maconha, o objetivo é rotulá-la como um droga — que tem o lado bom e o lado ruim. Então, se atribui uma tributação maior a de um remédio, por exemplo”, explica ao Metrópoles o economista do Conselho Regional de Economia (Corecon) Newton Marques.

Para fazer os cálculos acima, o economista considerou o valor de 30% na média de impostos federais e estaduais. Segundo ele, com a desvalorização cambial de R$ 4,7 bilhões desde 2019, o valor da maconha no mercado seria de R$ 6,6 bilhões por ano, considerando também um crescimento de 10% de consumidores por ano. “Se considerarmos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de cigarros — que varia de 30% a 45% –, a arrecadação tributária pularia para R$ 16 bilhões a R$ 19 bilhões”, explica o economista.

Newton Marques, entretanto, lembrou que os números são estimativas. “Não temos estatísticas concretas, principalmente por conta do crescimento da população de 2016 para hoje. Nós podemos acertar no tributo, mas errar no valor de consumo”, pondera.

Uso medicinal no Brasil

A advogada tributarista e sócia do Montezuma e Conde Advogados Luciana Gualda lembra ainda que a “normalidade” do uso de maconha medicinal no Brasil ainda enfrentará uma série de calvários. Mesmo com a legalização por parte da Anvisa, os medicamentos produzidos têm um custo inacessível para grande parte da população, fazendo com que pacientes de epilepsia, Parkinson, Alzheimer e outros recorram a Justiça para isenção dos valores e plantio próprio do produto.

“Hoje, o governo federal não apoia o uso de maconha medicinal, por isso o trâmite não anda. Temos dois projetos de lei que tratam o assunto, mas precisamos de um debate democrático para desenhar toda a arquitetura necessária para esse comércio. A Anvisa possibilita que farmácias de manipulação façam o remédio, mas o medicamento aprovado é muito caro, não dá acesso a grande parte da população. Além disso, as decisões judiciais levam muito tempo”, explica Luciana ao Metrópoles.

A advogada alerta ainda que não há um estudo preparado para calcular o valor tributário da maconha apenas para uso medicinal, a taxação em cima da substância é sempre comparada a do cigarro. “Pensando em fins recreativos, temos o imposto que incide sobre a renda. Quando falamos de pessoa jurídica, consideramos a seguridade social, o IPI e as taxas de importação. Mas para fins medicinais você não quer coibir o uso e por isso o valor final do produto precisa ser o menor possível”, continua.

Para a especialista, caso o uso fosse liberado, o governo e a população se beneficiariam do produto. “Grande parte dos tributos existentes vão para seguridade social (saúde, assistência e previdência). A saúde, por exemplo, poderia usar o dinheiro para desenvolver projetos de política pública para tratar dependentes químicos. O recurso também poderia ser repassado como benefício para quem é mais vulnerável: os dependentes que precisam do estado presente. A arrecadação é justamente para isso”, finaliza.

Pedidos de medicamentos à base de CBD

Primeira empresa autorizada a vender medicamentos à base de canabidiol no Brasil, a HempMeds informou ao Metrópoles que registrou aumento de 34,5% no número de pedidos para o mercado brasileiro de 2019 para 2020; o crescimento de receita ficou em 14%. Segundo a multinacional norte-americana que atua no Brasil desde 2015, dentre os principais motivos para o resultado, mesmo durante a pandemia, está a flexibilização do processo de importação dos produtos.

“O número de autorizações emitidas pela Anvisa dobrou de um ano para o outro. Em 2019, a agência concedeu 8.522 certificações e, no ano passado, foram 18.550. Os dados se referem a todo o mercado de derivados de cannabis e foram obtidos via Lei de Acesso a Informação (LAI). Lembrando: a única forma de se importar cannabis medicinal no Brasil é sob prescrição médica e com uma autorização da Anvisa”, completa a nota.

A HempMeds estima que 4 milhões de brasileiros podem ser beneficiados com o canabidiol, em tratamentos como Alzheimer, Parkinson, dor crônica, epilepsia refratária, fibromialgia, câncer e distúrbios psiquiátricos (insônia, ansiedade e depressão). A empresa também lembra que não tem plantio no Brasil, o produto é importado dos Estados Unidos.

Países já legalizados e seus lucros

Primeiro país a liberar o uso recreativo de maconha no mundo, o Uruguai registrou uma forte redução no tráfico ilegal do insumo nos quatro primeiros anos após a legalização sob controle estatal. Levantamento do Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca), indica que, em 2019, 38.771 pessoas estão habilitadas a comprar nas farmácias, 7.922 autocultivadores legais e 4.246 sócios de clubes canábicos. Os menores de idade não são autorizados a consumir a maconha regulada.

Apenas com exportação, o país fatura cerca de US$ 60 milhões por ano. Além disso, o pais já lucrou mais de US$ 22 milhões (cerca de R$ 28 milhões) que iriam para o mercado ilegal.

No Canadá, que teve o uso liberado em 2018, a indústria de maconha vale US$ 8,6 bilhões, ou cerca de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2018.

Já nos Estados Unidos — que liberou o uso legal nos estados Arizona, Montana, Nova Jersey e Dakota do Sul–, as vendas de maconha para uso adulto legal e medicinal superaram os gastos com soníferos, soda cáustica e pasta de dente somados, reunindo US$ 10,6 bilhões a US$ 13 bilhões em 2019 com receita tributária, segundo dados da edição de 2020 do Marijuana Business Factbook. Na época, o uso em Nova York ainda não era liberado.

“A legalização da maconha eu vejo como viável. Se economicamente a gente traz um benefício, já que esse dinheiro que circula não aparece na contabilidade [por conta do tráfico], poderíamos tributar sobre algo que não é visível”, diz Newton Marques.

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