Estados dão “pedalada” em fornecedores

O Tesouro Nacional também afirma que os estados brasileiros têm se aproveitado de prestadores de serviços e servidores para financiamento

Estadão Conteúdo
Compartilhar notícia

A empresa de tornozeleiras eletrônicas e monitoramento de presos Spacecom deixou de ser apenas uma prestadora de serviços e virou fonte de financiamento de estados: Minas Gerais, Goiás, Maranhão e Tocantins devem, juntos, R$ 8 milhões à companhia, e alguns têm faturas abertas desde 2015. “É uma pedalada fiscal o que eles [os estados] estão fazendo. Eles passam por problemas financeiros e tentam empurrar a conta para o fornecedor para se financiar”, diz o dono da Spacecom, Sávio Bloomfield.

Em documento publicado em novembro, o Tesouro Nacional também afirma que os estados brasileiros têm se aproveitado de prestadores de serviços e, “em casos extremos”, até de servidores para se financiar. A “operação de crédito” é feita quando os governos empenham despesas, mas não as quitam, deixando restos a pagar de um ano para outro.

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, elaborado pelo Tesouro, mostra ainda que os restos a pagar de todos os estados cresceram 75% no ano passado e atingiram R$ 29,7 bilhões. “Pode-se notar uma tendência de crescimento dos valores inscritos [restos a pagar] na maioria dos estados, o que pode ser visto como uma forma de financiamento dos estados junto aos seus fornecedores”, afirma o documento.

Com 150 empregados e faturamento de R$ 74 milhões neste ano, a Spacecom paga suas contas nesses estados devedores com a receita que obtém em outros 12 estados onde também atua. Segundo Bloomfield, no Tocantins, a empresa suspendeu os serviços. Já em Goiás, o governo questionou a qualidade do serviço prestado de um contrato válido até junho passado, mas firmou outro contrato com a empresa em agosto, ainda de acordo com Bloomfield. “Todos esses estados têm feito manobras para não pagar”, diz.

O jornal O Estado de São Paulo apurou que, em Goiás, o governo de José Eliton (PSDB) se concentrou, recentemente, em pagar principalmente as dívidas contraídas nos últimos dois quadrimestres. Desse modo, consegue cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece que, nos últimos oito meses de mandato, o governador não pode contrair obrigações sem ter disponibilidade de caixa para quitá-las. Essa estratégia do governo goiano, no entanto, poderá fazer com que a Spacecom fique sem receber cerca de R$ 2 milhões referentes ao primeiro contrato, firmado em abril de 2017.

Procurada, a Secretaria de Fazenda de Goiás afirmou ter trabalhado para alcançar “o melhor resultado fiscal possível ao final do exercício” e que os números finais do ano, que indicarão a existência – ou não – de restos a pagar em 2018 ainda não haviam sido consolidados.

As secretarias da Fazenda de Minas Gerais e do Tocantins não retornaram os pedidos de entrevista. A reportagem não conseguiu contato com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Tocantins. A Secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, responsável pelo pagamento da empresa de Bloomfield, informou que o valor cobrado pela Spacecom é mais alto que o preço de mercado e, por isso, o contrato estava sendo contestado.

Em Goiás, o governo de José Eliton (PSDB) se concentrou, nas últimas semanas, em pagar principalmente as dívidas contraídas nos últimos dois quadrimestres. Desse modo, consegue cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece que, nos últimos oito meses de mandato, o governador não pode contrair obrigações sem ter disponibilidade de caixa para quitá-las. Essa estratégia do governo goiano, no entanto, poderá fazer com que a Spacecom fique sem receber cerca de R$ 2 milhões referentes ao primeiro contrato, firmado em abril de 2017.

Procurada, a Secretaria da Fazenda de Goiás afirmou ter trabalhado para alcançar “o melhor resultado fiscal possível ao final do exercício” e que os números finais do ano, que indicarão a existência – ou não – de restos a pagar em 2018, ainda não haviam sido consolidados.

As secretarias de Fazenda de Minas Gerais e do Tocantins não retornaram os pedidos de entrevista. A reportagem não conseguiu contato com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Tocantins. A Secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, responsável pelo pagamento da empresa de Bloomfield, informou que o valor cobrado pela Spacecom é mais alto que o preço de mercado e, por isso, o contrato estava sendo contestado.

Tendência
Para o economista Pedro Schneider, do Itaú, mesmo com as restrições em último ano de mandato impostas pela LRF, a tendência é que os estados continuem deixando restos a pagar, já que o principal problema deles hoje é o elevado gasto com pessoal. “Dada a situação, por exemplo, do Rio, o estado com certeza vai voltar a deixar restos neste ano. Para que haja uma redução nos restos, é preciso fazer reformas.”

Schneider destaca que, apesar de os restos a pagar estarem crescendo por todo o país, a maior parte fica concentrada em estados em já delicada situação fiscal – 42% do total da dívida de 2017 é do Rio e de Minas Gerais. Nesses dois estados, os gastos com pessoal chegam a 70,8% e 79,18% da receita corrente líquida, respectivamente. O limite estabelecido pela LRF é de 60%. Avançar sobre esse patamar faz com que o espaço para pagamento de fornecedores fique mais apertado.

O economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, afirma que o fato de os restos a pagar não serem contabilizados no resultado primário dos estados cria uma falsa impressão de que não há problema fiscal. Na metodologia do resultado primário adotada pelo Tesouro Nacional são consideradas apenas despesas já quitadas.

Para ter um melhor reflexo da realidade, a Tendências passou a usar metodologia diferente, que considera as despesas empenhadas (valores reservados para um pagamento planejado e que podem resultar em restos a pagar). “O empenhado pode até ser cancelado, mas, grosso modo, é um serviço que será realizado e terá de ser pago em algum momento”, diz Klein.

Grandes empresas conseguem liminares para receber dívidas
Grandes montadoras, construtoras, companhias privadas de distribuição de energia elétrica e até advogados estão entre os credores dos estados brasileiros. Enquanto empresas maiores, como fabricantes de veículos, têm conseguido na Justiça o direito de receber os valores devidos, profissionais liberais acabam tendo de aceitar negociações desvantajosas.

A General Motors, por exemplo, conseguiu em setembro uma liminar na Justiça para que o governo de Minas Gerais devolvesse 323 carros comprados e não pagos. Duas semanas depois, para evitar a devolução, o governo acabou quitando uma dívida de R$ 24 milhões com a empresa.

Ainda em Minas Gerais, a Toyota e o grupo PSA Peugeot Citroën também recorreram à Justiça para serem pagos. A primeira conseguiu receber R$ 28 milhões, enquanto a segunda ainda aguarda o pagamento de R$ 47,4 milhões referentes a 600 ambulâncias. Nem montadoras nem o advogado Leonardo Farinha Goulart, do escritório Azevedo Sette, que entrou com os processos, quiseram comentar o assunto.

Em Goiás, a Ford aparece na lista dos dez maiores credores do Estado. A montadora, que também não quis falar sobre o assunto, tem a receber R$ 46,6 milhões.

Segundo a OAB/MG, o governo mineiro tem uma dívida semelhante, de quase R$ 50 milhões, com advogados dativos – profissionais indicados pela Justiça para defender pessoas sem recursos em cidades onde não há defensores públicos.

Há valores que são devidos há uma década por desentendimento de valores entre os profissionais e o Estado, mas a falta de pagamento se agravou nos últimos anos com a crise fiscal, de acordo com Raimundo Cândido Neto, conselheiro da OAB.

O advogado Dimas Tadeu de Souza Castro, de 34 anos, que trabalha há sete anos como advogado dativo, entrou na lista de credores do governo de Minas Gerais. O Estado deve hoje cerca de R$ 90 mil a ele.

“Vários colegas meus já pararam de trabalhar como dativo. Eu continuo para as pessoas não acabarem ficando sem defesa”, diz o advogado, que atende em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. Hoje, 40% da renda de Castro vêm de trabalhos realizados como dativo.

“O Estado parece não ter interesse em nos pagar. Mesmo porque é mais barato um dativo do que ter uma defensoria pública, que precisa de estrutura e advogados contratados”, afirma Castro.

Procurada, a secretaria da Fazenda de Minas Gerais não respondeu aos pedidos de entrevista. A secretaria de Goiás afirmou trabalhar para “alcançar o melhor resultado fiscal”. “Ao longo dos últimos anos, [a secretaria] trabalhou no sentido de elevar as receitas e cortar gastos sem penalizar o cidadão, ou seja, mantendo a prestação de serviços”, informou.

Compartilhar notícia
Sair da versão mobile