Casal trans engravida, tem filha e elogia SUS: “Melhor tratamento”
Leonardo Oliveira e Arielly Germano contam ao Metrópoles a boa experiência na rede pública, mas reconhecem casos de transfobia
atualizado
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O casal trans Leonardo Oliveira, 22, e Arielly Germano, 20, mudou a rotina com o nascimento da filha, Maria Dandara, que completou um mês de vida na terça-feira (24/5) depois de ter a gestação acompanhada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “A gente foi muito bem respeitado. Foi o melhor tratamento que poderia ter”, afirmou o pai ao Metrópoles.
A família vive no bairro Jangurussu, na periferia de Fortaleza (CE). O parto foi realizado no Hospital Geral Doutor César Cals, e o pré-natal, em um posto de saúde do município perto da residência do casal. Os dois, apesar de relatarem a boa experiência no SUS, reconhecem que muitas pessoas ainda sofrem transfobia durante atendimento médico nas redes pública e privada.

Maria Dandara, recém-nascida filha do casal trans, Leonardo Oliveira e Arielly Germano, de Fortaleza, Ceará Reprodução: Instagram

Maria Dandara, filha de casal trans de Fortaleza, ao completar um mês de vida Reprodução: Instagram

Casal trans, Arielly Germano e Leonardo Oliveira, com avós de Maria Dandara Reprodução: Instagram

Casal trans de Fortaleza (CE), Arielly Germano e Leonardo Oliveira com a filha no colo, Maria Dandara Reprodução

Leonardo Oliveira, homem trans, ao dar à luz para a filha, Maria Dandara, em Fortaleza, Ceará Reprodução: Instagram

Leonardo Oliveira, homem trans, durante gravidez da filha, em Fortaleza, Ceará Reprodução: Instagram

Casal trans, Arielly Germano e Leonardo Oliveira, durante gestação da filha, Maria Dandara Reprodução: Instagram

Mulher trans, Arielly Germano, durante preparação para o quarto da filha, Maria Dandara Reprodução: Instagram

Arielly Germano, mulher trans, comemora ao colocar tranças no cabelo Reprodução: Instagram
“Respeito”
“Eu sempre ouvi muitos relatos de problemas com tratamento no SUS, com respeito a gênero e sexualidade, mas, durante a gestação, a gente não passou por isso. Não sei se a gente deu sorte ou se realmente os profissionais estão mais bem-preparados”, ressaltou Leonardo. “A gente sentiu respeito até da população, sem comentários tortos.”
O casal começou a namorar em agosto de 2018, depois de se conhecer por meio do Tinder. Na época, Arielly tinha 17 anos, e Leonardo, 19. No aplicativo, ela ainda se apresentava como um adolescente do sexo masculino, mas ambos já tinham um objetivo em comum: viver toda a sua essência humana.
“Eu era todo boyzinho”, afirmou Arielly, ao lembrar que chamou atenção do parceiro, que, apesar de ter nascido com sexo feminino, sempre se identificou como uma pessoa do sexo oposto. “Eu me via como homem e tinha atração por homem”, disse Leonardo, que começou a sua transição aos 16 anos, tomando hormônios, sem acompanhamento médico.
“Muito assustadora”
Assim que os dois começaram a se relacionar, Leonardo levou o seu então “namorado” para apresentá-lo aos pais em casa. “A reação, de início, não foi muito boa, porque meu pai era uma pessoa preconceituosa, e a Arielly não tinha transicionado ainda, mas, depois, ele mesmo propôs que ela viesse morar com a gente. Amei a ideia”, contou o pai de Maria Dandara.
“Sempre foi meu sonho ser mãe”, disse Arielly. Leonardo, porém, ainda não estava muito convencido da ideia, porque não queria ver seu corpo se transformar como o de uma mulher, durante a gestação. Ainda resistia a imaginar, por exemplo, “a barriga e os seios crescendo”.
Leonardo relatou que, até então, “a ideia de gestar criança era muito assustadora”. “Eu tinha medo de como meu corpo iria ficar, de como eu iria me identificar, até porque não me via como mulher e já estava em transição. Por isso, tinha medo disso ser uma regressão”, contou ele, que, posteriormente, passou a querer ter uma filha.
“Um choque”
Durante o namoro, Arielly decidiu iniciar sua transição para mulher trans, tomando hormônio por conta própria e depois de sentir mais amparo no companheiro. “Quando a gente estava junto, e por causa dele e da nossa vivência, acabei me descobrindo travesti não binária”, lembra a mãe de Dandara. Leonardo, por sua vez, sentiu um baque.
“Foi um choque, porque, até então, eu me atraía por pessoas mais masculinas. Eu não esperava. Quando a gente se conheceu, ela era muito menininho, mas, como a amo muito, eu não iria terminar nossa relação só por conta disso. O amor fala muito alto”, destacou Leonardo.
O termo não binário refere-se à condição de pessoas que não se percebem como pertencentes a um gênero exclusivamente. Isso significa que sua identidade e expressão de gênero não são limitadas ao masculino e feminino. Podem, portanto, fluir entre os dois ou estar além deles, a depender de cada pessoa.
“Muito invasivo”
Tanto Arielly quanto Leonardo concordam que o atendimento a pessoas trans deve melhorar muito nas redes pública e privada para transição de sexo. O casal acredita que o processo de transição ainda é “muito invasivo”, já que exige passar por profissionais que, às vezes, questionam a identidade de gênero, em vez de compreendê-la em sua essência.
“Não gosto da ideia de passar por alguém para dizer que sou trans. Isso, para mim, não é legal nem acho confortável”, disse Leonardo, que tem o mesmo pensamento da companheira. “Acho muito estranho, esquisito e invasivo uma pessoa ter que dizer se sou, ou não, trans”, afirmou Arielly, acrescentando que existem muitas crianças trans e que ainda não sabem de sua condição.
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Os dois também tiveram de superar preconceitos em casa. Hoje, porém, a situação é diferente. Filha de empregada doméstica e de um mecânico de trem, Arielly conseguiu apresentar Leonardo aos pais. Ele, por sua vez, também sente orgulho ao dizer que sua companheira é respeitada pela mãe dele, uma dona de casa, e pelo pai, um aposentado.
“Conscientização”
O casal disse se dedicar muito para educar, com muito amor e respeito, a filha, que teve nome escolhido em homenagem à mãe de Leonardo e à avó materna de Arielly. A bebê também é símbolo de resistência e memória de Dandara dos Santos, travesti morta a tiros, em 15 de fevereiro de 2017, em Fortaleza, depois de ser espancada. Sete pessoas foram condenadas pelo crime. Outro acusado morreu antes do julgamento.
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Agora, Leonardo e Arielly pretendem também se dedicar a conscientizar as pessoas. O casal tem conta no Tik Tok com quase 150 mil seguidores. “Logo no início, a gente recebia muitos comentários ruins, mas, com o crescimento da nossa rede social, eles foram diminuindo, e a gente hoje utiliza filtro”, disse Leonardo, que trabalha como atendente de call center.
“A gente pretende levar informação para as pessoas e alcançar muita gente. Nosso público é cis hétero, porque a gente fala para eles, a gente quer levar informações para eles, porque muitos ainda não têm conscientização como as pessoas da comunidade LGBTQIA+”, ressaltou Arielly.
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