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Ajuda humanitária dos EUA se torna prejuízo milionário para o Brasil

TCU quer entender como o Ministério da Saúde aceitou receber 85 milhões de itens e por que decidiu descartar todos

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
Porto de Santos
1 de 1 Porto de Santos - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Uma enorme doação de equipamentos hospitalares chineses por uma empresa norte-americana se tornou o proverbial “presente de grego” para o Brasil. A ajuda humanitária, com valor estimado de US$ 155 milhões (cerca de R$ 810 milhões), se mostrou imprestável, segundo avaliação do Ministério da Saúde, e apenas a incineração do material que chegou vai custar R$ 10 milhões e demorar sete meses. Enquanto isso, os cofres públicos bancam os custos de armazenamento – valor que não está incluído no prejuízo potencial.

A ajuda que virou abacaxi está sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que cobra do governo federal informações sobre as condições em que a doação foi aceita e medidas para evitar prejuízo ainda maior ao patrimônio público.

Os produtos doados são aventais hospitalares que foram oferecidos ao Brasil como ajuda humanitária no contexto da pandemia de coronavírus. Quem bancou a doação foi a McKesson Medical Surgical, uma das maiores distribuidoras de equipamentos hospitalares dos EUA.

A oferta era de 85 milhões de peças, que viajariam em 900 contêineres até o Porto de Santos (imagem em destaque), onde o governo brasileiro assumiria os custos de desembaraço alfandegário: transporte, estocagem e distribuição.

A ajuda humanitária foi celebrada pelo governo brasileiro em seus canais oficiais de comunicação, veja:

Em dezembro do ano passado, quando o material começou a chegar, porém, as autoridades sanitárias perceberam defeitos e contaminação por mofo em alguns poucos pallets analisados. Isso, concluiu o Ministério da Saúde, tornava todo o material inútil, mesmo que os aventais tenham chegado em datas diferentes, em carregamentos espaçados.

O governo, então, pediu à empresa que interrompesse novos embarques, mas o Brasil já havia recebido 324 contêineres. Atualmente, a pasta paga para manter em estoque em São Paulo 26 milhões de aventais que considera imprestáveis.

As cobranças do TCU

A investigação sobre os aventais (teoricamente) mofados corre junto a procedimento noticiado pelo Metrópoles no último dia 15 de junho, sobre o risco de prejuízo de R$ 1,23 bilhão decorrente da perda iminente de 28 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19.

Em decisão da mesma data, o ministro Vital do Rêgo, do TCU, determinou ao Ministério da Saúde que explique o processo decisório de aceitação da doação dos aventais cirúrgicos, com informações sobre a demanda nacional por tamanha quantidade de aventais hospitalares; capacidade de armazenamento e distribuição dos materiais e custos totais previstos para dar fim aos produtos.

Em sua comunicação oficial ao aceitar a doação, o governo federal informou os órgãos envolvidos no processo decisório:

A instrução processual do TCU, à qual o Metrópoles teve acesso, relata que as primeiras cargas de aventais chegaram em boas condições e foram distribuídas na rede pública de saúde, mas logo os itens começaram a chegar com avarias de suas viagens de navio. Foi então que o governo brasileiro pediu a interrupção dos envios.

A investigação apurou com servidores responsáveis pelo estoque de insumos médicos que a incineração de toda a carga vai demorar cerca de sete meses, devido à capacidade de processamento das empresas que realizam tal serviço, e custar R$ 10 milhões. O prejuízo, porém, é maior.

“Segundo informações recebidas em Guarulhos, a estocagem dos aventais demandou o aumento do espaço de armazenagem contratado pelo Ministério da Saúde junto à VTCLOG em 10 mil posições pallet”, diz o documento, referindo-se à empresa responsável pela logística de insumos.

“Assim, embora a doação tenha sido um ato de aparente generosidade em favor do governo brasileiro, com exceção da primeira remessa que chegou a ser distribuída, não foi possível ao país beneficiar-se dos produtos, além de ter gerado custos de desembaraço aduaneiro e transporte até o estoque, armazenagem e incineração, ainda a serem mensurados e acompanhados, oportunamente”, diz o documento usado por Vital do Rêgo para basear sua decisão.

Questionamentos sobre a avaliação de qualidade

O corpo técnico do TCU levantou dúvidas sobre a imprestabilidade de toda a carga de aventais. “As evidências não deixam dúvidas quanto ao péssimo estado de algumas caixas de aventais, sendo possível verificar que estão molhadas, rasgadas, com exposição de alguns itens sem qualquer invólucro protegendo-os, de maneira que não se contesta a decisão de descartar essa parte do material”, diz a instrução processual. “Porém restam dúvidas quanto a extrapolar essa decisão para todos os cerca de 324 contêineres de aventais recebidos, sem uma análise mais criteriosa.”

Para os servidores do TCU, “considerando a enorme quantidade de aventais, e o fato de terem chegado em diferentes contêineres, em diferentes datas, não resta claro o motivo para o descarte de todos os produtos sem realizar uma análise mais detalhada de toda a carga, ou por amostragem de cada contêiner”.

Os técnicos informam que encontraram, em vistoria, caixas de aventais sem qualquer sinal de avaria e que “os funcionários que receberam e estocaram os produtos afirmaram que foram poucos os contêineres cujas cargas chegaram em péssimo estado, [e] a maioria chegou em perfeitas condições”.

Outro lado

Procurado, o Ministério da Saúde reafirmou que o material não tem condições de uso e que a previsão é de descarte.

Veja a nota enviada ao Metrópoles:

O Ministério da Saúde recebeu o quantitativo de aventais via doação. No momento da aceitação, não se considerou a possibilidade de o material ser entregue sem condições de uso. O transporte foi feito sob responsabilidade do doador, a quem cabia apresentar o material em condições adequadas.

No momento em que chegaram ao Brasil, a equipe técnica da pasta constatou risco em sua utilização, dado o estado precário em que foram apresentados. O material foi considerado inutilizável para o uso em unidades hospitalares.

Diante disso, as remessas foram interrompidas, evitando a chegada de uma quantidade ainda maior. O material será descartado nas condições exigidas pela legislação.

A empresa norte-americana McKesson Medical Surgical também foi procurada, mas não retornou até o fechamento desta reportagem, que será atualizada caso isso ocorra.

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