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O que eu já vi e vocês nem imaginam!

Uma ditadura, dois impeachments de presidente, escândalos a granel, uma pandemia e duas tentativas de golpe

atualizado

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Sérgio Amaral/Divulgação
Ricardo Noblat jornalista colunista metropoles
1 de 1 Ricardo Noblat jornalista colunista metropoles - Foto: Sérgio Amaral/Divulgação

Sem entender o significado da cena, vi uma tropa do Exército, munida de tanques, cercar o Palácio do Campo das Princesas, no Recife, para depor e prender o governador Miguel Arraes na tarde de 1 de abril de 1964, o Dia da Mentira. Só que não era simulação de um golpe, era um golpe de verdade que suprimiu a democracia por 21 anos a pretexto de defendê-la do comunismo. Eu tinha apenas 15 anos.

Quatro anos depois, vi 300 soldados da Força Pública de São Paulo prenderem pouco mais de 800 jovens reunidos em um sítio da cidade de Ibiúna durante o XXX Congresso da proscrita União Nacional dos Estudantes (UNE). Eu estava entre eles na condição de aluno do curso de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco e de ex-repórter da sucursal do “Jornal do Brasil”.

Como repórter da revista “Manchete”, vi o líder comunista Gregório Bezerra ser libertado da Casa de Detenção do Recife no dia 6 de setembro de 1969 para juntar-se ao contingente de 15 presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano, sequestrado no Rio por organizações da esquerda armada. Naquele mesmo dia fui preso, e o embaixador solto no dia seguinte.

Vi preso em 1980 o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, líder de greves operárias na região do ABC paulista. Ele foi mantido em uma das salas do DOPS paulista onde 13 anos antes eu fora interrogado e fichado como subversivo. Escrevi sobre a prisão de Lula como editor assistente de política da revista “Veja”. E um ano mais tarde, assisti seu julgamento na Auditoria Militar.

Ainda estava na “Veja” quando o último general-presidente da ditadura, João Figueiredo, se acovardou diante do terrorismo de direita que tentava minar o processo de abertura política do país. Mas foi como chefe de redação do “Jornal do Brasil”, em Brasília, que o vi em 1985 abandonar o Palácio do Planalto por uma porta lateral e pedir aos brasileiros que o esquecessem. Foi atendido.

Assustei-me ao saber na noite de 14 de março daquele ano que o presidente eleito Tancredo Neves baixara ao hospital a doze horas de tomar posse. E se os militares, inconformados com o fim da ditadura, aproveitassem a ocasião para dar um novo golpe? Dali a pouco mais de um mês, velei o corpo de Tancredo no mezanino do Palácio do Planalto. Ele não resistiu a sete cirurgias consecutivas.

No final de fevereiro de 1986, testemunhei o entusiasmo das pessoas convocadas pelo presidente José Sarney para assegurar o sucesso do Plano Cruzado, que congelou salários e preços. Elas lacraram supermercados e deram voz de prisão a gerentes. Estava no Rio, um ano depois, no dia em que Sarney, dentro de um ônibus, foi alvo de pedras porque o plano havia fracassado.

Assisti ao espetáculo do crescimento de Fernando Collor nos corações e mentes dos brasileiros. Era o “caçador de marajás”, disposto a varrer a corrupção do país. Publiquei artigos no “Jornal do Brasil” chamando-o de “falso brilhante”, mas não vi seu governo agonizar e morrer porque trabalhava em Angola há dois anos. Fui demitido do jornal cinco dias depois da eleição de Collor.

Em 1994, vi uma preciosa fonte de informações dos jornalistas ser eleito presidente da República e deixar de ser fonte. Meus oito anos como Diretor de Redação do “Correio Braziliense” coincidiram com os oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Da Bahia, em 2003, como Diretor de Redação do jornal “A Tarde”, observei a estreia no cargo de presidente da República do metalúrgico que vira preso no DOPS, em São Paulo. Voltei a Brasília 11 meses depois interessado em acompanhar a experiência de um governo de esquerda governar pela direita. E eu que pensava que já vira tudo! Ainda vira pouca coisa.

Vi Lula quase cair quando estourou o escândalo do mensalão do PT em 2005; recuperar-se mais tarde a ponto de ganhar um segundo mandato; eleger para sucedê-lo uma mulher que nunca fora candidata a nada; reelegê-la e, por fim, ir para casa ostentando a condição de o presidente da República mais popular da história do Brasil. Superou Getúlio Vargas, “O Pai dos Pobres”.

Quem faria ideia, àquela altura, que Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente do Brasil, seria cassada menos de dois anos depois de reeleita, e Lula preso e condenado por ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro? Pois assim foi. E eu também vi tudo isso muito de perto.

Como em 2018 veria ser eleito presidente um ex-capitão afastado do Exército que planejou explodir bombas em quartéis para protestar contra o baixo salário que recebia, e Lula ser solto depois de passar 580 dias preso. Anuladas suas condenações, recuperou o direito de candidatar-se mais uma vez a presidente, o que acabou fazendo em 2022, e se elegeu.

Jamais imaginei que a democracia no Brasil seria de novo ameaçada por um golpe – mas ela foi, em dezembro de 2022, ao fim do governo do único presidente que não se reelegeu, e em 8 de janeiro de 2023, dia em que seguidores do ex-capitão invadiram e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal.

O que mais verei daqui para frente?  Bolsonaro condenado e preso? Lula em apuros para se eleger presidente pela quarta vez em 2026? A eleição do quarto Papa desde que este blog existe?

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