metropoles.com

MEMÓRIAS – No princípio era o desaforo, o insulto

E eu não sabia como lidar com isso. Agora, aprendi

atualizado

Compartilhar notícia

Istock
fake news on internet
1 de 1 fake news on internet - Foto: Istock

No princípio era o desaforo, o insulto que me tomava um tempo precioso para apagar, tamanho era meu desconforto com ele. Lembro-me de uma noite, mal este blog havia nascido lá se vão quase 14 anos, que duelei horas a frio com um suposto leitor que teimava em repetir a mesma ofensa. Ele postava a uma velocidade incrível. Por falta de habilidade, eu apagava à meia velocidade. Só mais tarde descobri que enfrentara um robô.

E das vezes que para me atingir atacaram meus familiares – mulher e filhos? Uma foto de Rebeca, minha mulher, carregando uma pequena mala, de vez em quando ainda circula junto com a informação de que a mala contém dinheiro subtraído aos cofres públicos. A foto mostra Rebeca no momento em que ela chegava à maternidade do Hospital Brasília. Na mala, o enxoval da minha primeira neta, a horas de nascer.

Um funcionário da Câmara dos Deputados, certa vez, acusou-me de ganhar uma fortuna do Senado para produzir semanalmente um programa de rádio sobre jazz. Como a Rádio Senado, à época, ainda capengava, eu pagava do meu bolso a produção do programa. Paguei durante nove anos por capricho e puro prazer de fazer algo bem feito. No décimo e último ano, o Senado arcou com as despesas, nenhuma delas comigo.

Indignado com a acusação e por acreditar que devia satisfações a quem me lesse, não só as dei repetidas vezes em meu blog. Acessei a rede de blogs que me detratavam e respondi a cada mensagem a respeito. Como cada resposta provocava outra pergunta cabível ou apenas maliciosa, perdi horas que somadas resultaram em dias de um bate-boca desnecessário e absolutamente inútil. Os dias eram assim e, eu, um neófito, idiota.

As baixarias pessoais diminuíram muito desde então. Hoje, são raras. Deram lugar a manifestações de intolerância que crescem ou diminuem de acordo com a pauta de assuntos políticos em debate. Admito que sou culpado por parte dessas manifestações quando abuso da ironia e do deboche ao me expressar sobre certas coisas. A ironia é um perigo. Por escrito, tanto pior. Deveria haver um sinal para indicar quando se é irônico.

Apanho até hoje por ter elogiado no twitter a elegância do casal Michel e Marcela Temer. Ou por ter desejado ao casal um ensolarado domingo de sol. Ou por ter postado uma foto onde apareço ao lado do ex-presidente cubano Fidel Castro – ou melhor: do ex-ditador cubano Fidel, como prefere uma parte dos meus leitores. Outro dia, acusaram-me de ter sido amigo dele. Respondi: “Ex-amigo”. Com isso, pedi para apanhar mais, e apanhei.

Se os xingamentos já não me incomodam mais, embora eu não lhes seja indiferente, imagino o quanto mal não fazem a muitos, especialmente às crianças e adolescentes escravas do celular. Sou do tempo em que ainda não havia televisão por estas bandas e as calçadas à noite serviam principalmente como espaços para a socialização (que palavrinha horrível, essa!). Espaços para se jogar conversa fora. Meus dois netos mais velhos não sabem o que é jogar conversa fora. Jogam conversa dentro dos celulares. Não sabem para quê as calçadas serviram no passado. Sabem que no presente são áreas de risco. De risco de assaltos, de atropelamentos e do mau humor dos passantes. Desconhecem o prazer de subir numa árvore, de passear de ônibus circular, ou mesmo de subir em telhados, por mais arriscado que fosse para espreitar os vizinhos. Expõem-se, sem saber, a toda sorte de perigo com o simples ato de digitar a mais inocente das mensagens.

 

(Texto aqui publicado em 21/7/2020)

Compartilhar notícia