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Antes tarde do que mais tarde (por Bernardo Mello Franco)

Discurso de união cívica encobre cumplicidade do poder econômico com a destruição bolsonarista

atualizado

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Ato em defesa da democracia na USP
1 de 1 Ato em defesa da democracia na USP - Foto: Reprodução

A carta lida na Faculdade de Direito da USP afirma que o Brasil passa por um momento de “imenso perigo para a normalidade democrática”. Os redatores foram otimistas. Os tempos de normalidade já ficaram para trás. O que se discute agora é se o país conseguirá frear a marcha para o abismo.

Nos últimos anos, o Brasil despencou em todos os rankings que medem a qualidade das democracias no mundo. A queda se intensificou a partir da eleição de Jair Bolsonaro.

“A polarização no Brasil começou a crescer em 2013 e atingiu níveis tóxicos com a eleição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, em 2018”, afirma o último relatório global do instituto V-DEM (Varieties of Democracy), sediado na Suécia. O documento cita o apoio do presidente a manifestações que pedem golpe militar e fechamento do Congresso e do Supremo. E alerta sobre os ataques reiterados ao sistema eleitoral, com o objetivo de minar a confiança popular no resultado das urnas.

A Freedom House tem feito as mesmas advertências. Fundada em 1941, a entidade americana lista o Brasil entre os países governados por líderes que se empenham em sabotar a democracia. “Enquanto o Brasil se prepara para as eleições de outubro, Bolsonaro ecoa Donald Trump ao alegar antecipadamente que a votação será fraudada”, afirma. O relatório lembra que o capitão já fazia acusações sem provas antes de chegar à Presidência. “Hoje essas alegações foram naturalizadas”, adverte.

As instituições brasileiras sempre naturalizaram as ameaças de Bolsonaro. O Superior Tribunal Militar não quis expulsá-lo do Exército após a descoberta do plano para explodir uma adutora do Guandu. A Câmara não quis cassá-lo por defender o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. Repetiu a dose quando ele exaltou um dos torturadores da presidente Dilma Rousseff.

O autoritarismo de Bolsonaro continuou a ser normalizado no Planalto. Isso permitiu que ele capturasse os órgãos de investigação e avançasse em seu projeto autocrático. Ontem um dos organizadores da carta, figura séria e respeitável, celebrou a aliança entre capital e trabalho em defesa da democracia. Essa é uma uma visão idealizada, que omite a cumplicidade de grande parte do poder econômico com a extrema direita. Ainda assim, vale saudar o desembarque dos retardatários às vésperas da eleição. Antes tarde do que ainda mais tarde.

 (Transcrito de O Globo)

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