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Uma campanha por Brasilia, please (por Mirian Guaraciaba)

PS: como mais de 48% do eleitorado brasileiro, o brasiliense votou mal em 2022. E daí? Isso não faz de sua população uma gente corrupta

atualizado

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Ricardo Stuckert
Brasília
1 de 1 Brasília - Foto: Ricardo Stuckert

Não é de hoje. Nem tem a ver com a tragédia política e social que foi o governo Bolsonaro. A “má fama” de Brasilia país afora sempre existiu. E sempre pode piorar. Falam de Brasilia por aí como se vivêssemos numa baiúca, cabaré, puteiro, com o perdão da má palavra, como diria Cazuza.

Há uns 30 anos, na chefia de uma equipe no Estadão, propus uma pauta mostrando as dificuldades das pessoas comuns de Brasilia. Serviços públicos de péssima qualidade. Transportes, saúde, educação, nada respeitava as necessidades básicas do cidadão. A intenção seria a de desmistificar a tese de que em Brasilia, sede dos três poderes da Repúblicas, tudo ia bem, para todo mundo, o tempo todo.

A reportagem demorou a sair, foi publicada a contragosto pelos editores paulistas. A má vontade com Brasilia era grande. Vi outras matérias ao longo dos anos, mas nada com força suficiente para tentar reverter a visão preconceituosa de milhões de brasileiros – dos quatro cantos do País.

Eu diria até, quem sabe, malquerença com certa dose de inveja. Brasilia é Patrimônio da Humanidade, tombada pela Unesco em 7 de dezembro de 1987, como marco da arquitetura e urbanismo modernos. Maior área tombada no mundo, é, até hoje, o único bem contemporâneo a merecer esse título. Brasilia é linda, verde, florida, aconchegante. E, sim, tem favelas, tem morador de rua, tem miséria, tem fome. Pra quem não sabe, Brasilia é a terceira cidade mais populosa do Brasil. Não seria diferente, ricos e pobres, abundância e carestia.

Falar mal de Brasilia é mania nacional, faz tempo. Seu nome é usado como sinônimo de mal feito. Jornalistas falam, comentaristas mal informados e mal intencionados falam, humoristas citam “Brasilia” como cenário de piadas sobre políticos/corrupção/safadeza. Tá na boca do povo brasileiro. O aprofundamento do racha político no País fez piorar o que já era ruim.

Não nasci em Brasilia, mas me ofende quando ouço gente esclarecida, ou não, se referindo a Brasilia com sentido claro de vagabundagem. Semana passada, num café em São Paulo, conversa aleatória, ouvi de um executivo engravatado: “você mora em Brasília? Berço da corrupção”. Fiz as contas e respondi: dos Estados, como São Paulo, são enviados pra lá 513 deputados federais e 81 senadores, enquanto Brasilia tem mais de três milhões de habitantes, a maioria sofrendo os mesmos reveses que paulistas, cariocas, gauchos, mineiros, nordestinos.

Brasilia continua com péssimo serviço de saúde pública, transporte, a educação pede clemência. O governo é ruim, igualzinho ao de muitos estados da federação. Os três milhões de habitantes não tem qualquer responsabilidade sobre a politicagem que assola o País, ou envergonha parte de nossos parlamentares. Passou da hora do Governo do DF – quem sabe o Governo Federal/Embratur? – fazer uma campanha convidando os brasileiros a conhecerem sua Capital. O engravatado de SP rodou meio mundo, fala mal de Brasilia sem nunca ter posto seus pés aqui.

PS: como mais de 48% do eleitorado brasileiro, o brasiliense votou mal em 2022. E daí? Isso não faz de sua população uma gente corrupta. Pra cada Damares lamentavelmente eleita por Brasilia, tem um Moro que veio do Paraná, um Morão do Rio Grande Sul, um Ricardo Salles que vem passar a boiada em Brasília, enviado por São Paulo. E um fascistinha que se veste de peruca para atacar os LGBTs … mandado pelos mineiros. Pros 44% dos brasileiros que ainda temem a implantação do comunismo no Brasil (afff) tem pelo menos um Flávio Bolsonaro. Esse veio do Rio de Janeiro.

Mirian Guaraciaba é jornalista

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