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Uma ampulheta está sobre a mesa (por Antônio Carlos de Medeiros)

A corda não arrebentou, mas continua esticada. Bolsonaro trilha o conhecido roteiro do best seller “A marcha da insensatez”

atualizado

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Joelson Miranda/metropoles.com
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1 de 1 ampulheta-abre - Foto: Joelson Miranda/metropoles.com

O acordo costurado pelo ex-presidente Michel Temer, sobre o qual não se conhece o teor, produziu temperança. As reações das instituições democráticas, também. Acenderam, para o presidente Bolsonaro, a luz vermelha do fracasso. E ajudaram a subir o muro da resistência ao golpe. Na democracia consensualista brasileira, as instituições continuam funcionando. Mas uma ampulheta ainda está sobre a mesa. Até quando vai funcionar a temperança?

A corda não arrebentou, mas continua esticada. Bolsonaro trilha o conhecido roteiro do best seller “A marcha da insensatez”, de Barbara Tuchman. Um roteiro que tem três estágios, todos eles guiados pelo abandono da razão, a primeira característica da insensatez, segundo ela.

No primeiro estágio, a paralisia mental “fixa princípios e fronteiras”. No segundo estágio, “os princípios iniciais tornam-se rígidos”. A rigidez, diz ela, leva à necessidade de proteger os egos, e a política de repetição de erros cresce cada vez mais. Então, “mais inaceitável se torna o desengajamento”. Por fim, no terceiro estágio, a crescente iminência do fracasso “aumenta os prejuízos até causar a queda”. Bolsonaro está no limiar do terceiro estágio. A queda. Como nas experiências da História escrutinadas no livro de Tuchman: a queda de Troia; a defecção do papado; a perda do império transatlântico; e a humilhação americana no Vietnã.

O diálogo de Temer foi providencial. Mas será preciso mais. A anomia social é crescente. Isso não é tertúlia sociológica. A desintegração social e a perda de identidade nacional, produtos da crescente ausência de normas e regras, criando a desarmonia na sociedade, continuam à espreita. São causas e efeitos da polarização política. Caldo de cultura para a criminalidade, a instabilidade político-institucional e a diáspora dos que estão descrentes do Brasil e vão embora porque acham que o país não tem futuro. Hoje, 4,2 milhões de brasileiros moram no exterior. Muitos dos que estão aqui também pensam em ir embora.

Jair Bolsonaro ficou prisioneiro no próprio tumulto, vaticina José Casado. Como sempre, volta atrás, ensaia temperança e se desmoraliza. Estará na sombra do impeachment, dos processos em curso no Judiciário e da inelegibilidade em 2022. Reina, mas não governa. A sua fragilidade é cada vez maior. Continuará tensionado, também, pela espada regressiva, na economia e na sociedade, da crise institucional e da crise econômica. Com um presidente que não governa, o Brasil deverá chegar às vésperas das eleições de 2022 com um crescimento pífio e mais um vôo de galinha.

O Brasil real – no labirinto da inflação, da pobreza, da crise hídrica e do zig zag do câmbio e da bolsa – vai pressionar e tensionar as instituições. A fixação de Bolsonaro com um golpe crescente está resultando em efeito bumerangue e mais anomia. Agora, os caminhoneiros nas ruas. Depois, viriam os saques aos supermercados? A ampulheta está sobre a mesa.

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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