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Tudo bem?

A pandemia só fez acentuar bad trips com doenças. Uma por mês. Ás vezes, duas ou três

atualizado

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Arthur Menescal/Especial Metrópoles
Visita ao Hospital de Campanha do Autódromo
1 de 1 Visita ao Hospital de Campanha do Autódromo - Foto: Arthur Menescal/Especial Metrópoles

A pergunta é a usual para abrir conversa entre amigos separados, isolados, nos seus cativeiros da pandemia.  No caso de meu amigo B a resposta vem com a confirmação que, sim, está bem, mas sempre com complementos surpreendentes.

– Tudo bem, B?

– Tudo. Um pouco ansioso com o resultado dos exames de…

Em 16 meses de pandemia, B, com seus 56 anos, foi a 17 médicos e ficou MUITO ansioso com o resultado de dezenas de exames. Além dos corriqueiros de sangue, urina e fezes, foram 21 de imagens – radiografias, ressonâncias, tomografias.

Isso porque ele -jura – está em quarentena fechada e não gosta de hospitais.

B é, digamos, eternamente “acometido” de ao menos três doenças gravíssimas – e raras – por ano. Atormenta a si e aos amigos até que todos os resultados dos exames indicados para os casos –nunca é um só – fiquem prontos. Invariavelmente negativos.

Ele sossega uns meses. Até que o Dr. Google indique que alguma coisa que tenha sentido levemente é sintoma de mal incurável, dando-lhe minguados meses ou dias de vida.

A pandemia só fez acentuar bad trips com doenças. Uma por mês. Ás vezes, duas ou três. É que, nas paranoias, uma coisa puxa a outra. Se o médico da vez diz que pode ser isso ou aquilo, pronto, gatilho disparado.  B faz absoluta questão de investigar TODAS as possibilidades, com N outros médicos, sempre os mais renomados, especializadíssimos. E ganha mais uns dias para alimentar a vibe de ansiedade máxima, da morte eminente e sofrida.

Nos derradeiros 16 meses, B baixou muitas vezes no Pronto Socorro, com certeza certa, de ter tido um enfarto, uma AVC, falta de ar que indicava Covid – já grave. Certamente.

Ao longo da vida, B já desembarcou de avião em ambulância porque estava enfartando; já perdeu a conta de quantos finais de semana aportou em PS pelo mesmo motivo, além de se recusar a deixar o hospital quando exames indicam que o coração esta ótimo.

“Melhor permanecer aqui em observação”, decide, desdizendo os médicos.  Fica internado, ligando para os amigos. Juntos, claro, riem muito. Os amigos porque já viram esse filme incontáveis vezes. Ele porque é lembrado das muitas portas da morte que viveu ao longo da amizade. E como reagiu.

Por exemplo. Ao ser dispensado com uma receita de Luftal, depois de chegar “enfartado” em um PS, revoltou-se: Ah doutor, eu cheguei morrendo. Não vou sair daqui com remedinho para gazes, não. Me dê aí ao menos um tarja preta, por favor. Um Rivotril, um Stilnox…

Falha no coração é corriqueira. Banal. A pandemia tem suscitado outras gravidades. Assim, até este julho, B já investigou:

  1. Neuropatias
  2. Artrose na mão direita; depois na esquerda
  3. Osteopenia; depois osteoporose
  4. Água no coração
  5. Prolapso da válvula mitral
  6. Câncer na cabeça
  7. Lupus
  8. Doença de Fabry
  9. Amiloidose

Em cada uma dessas desgraças à vista, consulta exaustivamente Dr. Google, publicações médicas e distintos especialistas. Informado, parte para a fase 2 – sentir TODOS os sintomas descritos para cada doença e atormentar-se.

Como o filho, adulto, não vive em Brasília, gasta madrugadas pensando na melhor maneira de contar-lhe o final que se aproxima. Como vive só, também teme morte súbita e o corpo abandonado por dias, até que alguém o encontre. Perde o sono com isso. Regularmente.

Ainda não encontrou solução para esses eventos.

Nem pense que B é sorumbático, pesado, triste. Ou fanático por remédios.  Nada disso. Cada comorbidade criada acaba entrando para seu folclórico prontuário. O item medicamentos fica restrito às vitaminas e aos tarjas pretas para segurar a cabeça. (Não seguram. Claro).

Grande contador de histórias, B sabe que seus males fakes seguirão vida afora e faz comédia disso, da imensa agenda de médicos especialistas, dos diálogos com eles, a cada consulta.

Telefone toca. É o médico dando retorno sobre o exame de amiloidose, feito nos USA, com dois meses de (ansiosa) demora para o resultado.

– Tenho boas noticias. Seu exame de amiloidose deu negativo. Fique tranquilo agora.

– É… Obrigado, doutor. Mas quando teremos de repetir o exame?

O médico. Bem impaciente: Senhor B, não teremos de repetir nada. Como eu havia lhe explicado é um exame genético. Nesta vida, o Senhor não tem, nem terá amiloidose.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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