A pneumonia do presidente Lula, para além da questão da saúde, acabou por impor uma correção na hierarquia da agenda política, que priorizou a visita à China em momento de reconhecida fragilidade política do governo no plano interno.
Por tratar-se de uma agenda positiva, a agenda externa subestimou a interna. Em meio ao conflito com o Banco Central, negociações instáveis para a formação de uma base parlamentar, conflitos entre Câmara e Senado e o suspense do arcabouço fiscal, deixar o país não era uma opção.
Mesmo antes do anúncio do primeiro adiamento da viagem, o presidente da Câmara, Arthur Lira, já questionava a oportunidade da visita à China renunciando ao convite para integrar a comitiva presidencial. Por mais importante, a missão internacional poderia esperar.
Após a confirmação do cancelamento da visita, uma fila de desistências de autoridades com malas prontas não escondeu o alívio geral. Há urgências a serem equacionadas aqui – desde a negociação em torno das tramitações de medidas provisórias decisivas para o governo até a apresentação da nova âncora fiscal.
Tudo isso agravado pelo anabolizante ofertado pelo presidente Lula à oposição, principalmente à ala bolsonarista, ao servir de escada para a volta ao palco de seu principal algoz, o ex-juiz e senador Sérgio Moro. Ao episódio seguiram-se convites e convocações a ministros e até o aliado PSD decidiu apresentar seu próprio projeto de âncora fiscal.
No passado recente, quando presidentes que iam mal das pernas viajavam ao exterior, dizia-se que “a crise viajou”, indicando que as coisas funcionavam melhor na sua ausência. Bolsonaro quebrou esse padrão ao levar a crise na mala e reabri-la em qualquer lugar. Se tivesse mantido a viagem à China, Lula deixaria a crise aqui ao sabor da oposição.
O consignado a juros módicos do ministro da Previdência, Carlos Lupi, subiu no telhado, o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, brigou com uma repórter na televisão, os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e o da Fazenda, Fernando Haddad, dissimulam um armistício, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, só não pediu ainda a prisão do presidente do BC, Campos Neto.
As primeiras horas de descanso compulsório já levaram o presidente Lula ao diagnóstico de que o governo esgotou o recurso de vestir roupa nova em velhos manequins. “Eu quero um novo governo Lula, não o governo Lula de novo”, disse, segundo apuração do jornalista Robson Bonin, de Veja.
Está clara, portanto, a descoordenação do governo, assim como a ordem unida de Lula não está funcionando. Hoje, como no seu primeiro mandato, o parâmetro para aferir a qualidade do ministro da Fazenda, aos olhos gerais, continua sendo sua desaprovação pelo PT.
Só o presidente pode corrigir o rumo, especialmente se tem o diagnóstico.
João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Participou de coberturas históricas e integrou a equipe pioneira no Brasil do noticiário em tempo real da Agência Estado/Broadcast.