Há de tudo no pacote de ideias germinadas entre os parlamentares que desejam acertar contas com o Supremo Tribunal Federal – desde usurpar o poder presidencial para nomeação de ministros até a prisão por 4 anos de juiz que mandar remover perfis ou páginas de parlamentares na Internet.
As ideias mais radicais partem da bancada bolsonarista, mas também do centrão e até em alas da esquerda mudanças na Corte têm simpatia. O risco é fazer tramitar uma proposta de reforma que ninguém sabe onde vai dar. Mas que não acontecerá sem erros.
Para ficar nas propostas mais sóbrias, as que fixam prazo para mandatos, combatem o voto monocrático, estabelecem prazo para pedidos de vistas, podem melhorar o modelo vigente. As demais, como aumentar o número de cadeiras na Corte, não são novas e não são boas.
O próprio STF se antecipou e fixou prazo de 90 dias para os pedidos de vistas e já cuida de valorizar o sistema colegiado para que o voto monocrático volte a ser exceção. Dois pontos da reforma projetada, portanto, já são reconhecidos pela Corte e estão superados.
A questão do mandato fixo, adotado em outros países, é tratada apenas pelo ângulo da semi-vitaliciedade vigente, que é a aposentadoria compulsória aos 75 anos. Nesse contexto, sempre se terá ministros novos, que podem cumprir sua função pensando no futuro, com o risco de contaminação de decisões.
Há uma ideia, defendida, entre outros, pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, para que se eleve a idade mínima de entrada na Corte para 60 anos, mantendo-se a compulsória aos 75, o que daria ao ministro um mandato de 15 anos, quase o mesmo prazo de dois mandatos de senador. Além da experiência e atuação expostas ao exame de seu ingresso.
A realidade atual, ou seja, o chamado timing político, não recomenda a inclusão da reforma do STF na pauta. O revanchismo bolsonarista, somado a insatisfações individuais de parlamentares que foram ou são investigados, ou têm ações tramitando na Suprema Corte, poderia abrir um rastilho de pólvora, como alerta o ex-ministro Francisco Rezek.
“O plano de alterar esse modelo elevando o número de ministros do tribunal, ou fixando mandatos, me parece motivado pelos mesmos sentimentos ditatoriais que levaram o governo Castello Branco a fazer algo semelhante em 1965 ou o governo Erdogan a mexer na Corte Suprema da Turquia em 2010. Não se trata aí de aperfeiçoar coisa nenhuma”, disse à revista Veja.
E mais: “Isso pode virar um rastilho de pólvora na medida em que se sabe que ampliar as vagas na Corte é uma coisa que todos desejam porque advogados, Ministério Público e os próprios juízes veem oportunidade de ascender ao tribunal”, completou, dando visibilidade à dose de fisiologismo que motiva a campanha.
O governo Bolsonaro dedicou-se diuturnamente a uma ruptura constitucional e trabalhou o desgaste do STF, que culminou com a invasão e depredação do prédio da Suprema Corte no dia 8 de janeiro. As investigações desse episódio ainda estão em curso, mas dele já se sabe que não há qualquer aspecto que se salve sobre a ótica democrática.
Não por acaso, a iniciativa da reforma está no Senado, onde a bancada bolsonarista é compacta e tem entre seus integrantes o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, o senador Sérgio Moro, cuja operação Lava Jato foi a pista da qual imaginava decolar para chegar justamente ao STF.
A reforma só não foi descartada ainda porque o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para se reeleger, admitiu-a na busca de votos bolsonaristas. À mineira, disse que há propostas honestas entre as tantas divulgadas, mas não disse como conseguirá evitar as desonestas quando todo o pacote entrar em tramitação.
Pacheco idealiza tratar dos mandatos dos ministros para cumprir sua promessa de campanha, mas sabe-se que não poderá controlar as demais propostas. E desconsidera que a motivação maior, hoje, é desonesta – a de manter acesa a chama do golpe.
Por ora, o STF ainda se beneficia dos efeitos do 8 de janeiro e o receio, acredita-se, da maioria parlamentar, é fragilizar a Suprema Corte e fortalecer os que desejam a ruptura democrática.
Na verdade, a reforma do Supremo, na forma e na oportunidade, procura dar continuidade à meta bolsonarista de afastar o principal obstáculo à ruptura constitucional, valendo-se das contrariedades provocadas pela Corte no cumprimento de sua missão de guardiã da Constituição.
Como diz o ex-presidente da Corte, Ayres Britto, não existem reparos na condução dada pelo Supremo à resistência contra a tentativa de golpe. Muitas vezes atuando no limite possível, exerceu a legítima defesa da democracia – se considerada esta o guarda-chuva acima de todas as demais liberdades constitucionais.
João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Participou de coberturas históricas e integrou a equipe pioneira no Brasil do noticiário em tempo real da Agência Estado/Broadcast.