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Reencontro em Buenos Aires (por Marcos Magalhães)

Luís Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández descongelam relação entre Brasil e Argentina

atualizado

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Ricardo Stuckert/PR
Presidentes Lula e Alberto Fernández, respectivamente do Brasil e Argentina, sorriem e posam com termos de compromissos assinados em salão da Casa Rosada, sede do governo argentino - Metrópoles
1 de 1 Presidentes Lula e Alberto Fernández, respectivamente do Brasil e Argentina, sorriem e posam com termos de compromissos assinados em salão da Casa Rosada, sede do governo argentino - Metrópoles - Foto: Ricardo Stuckert/PR

Poucas horas antes de o avião presidencial brasileiro decolar de Brasília em direção a Buenos Aires, no final da tarde de domingo, dois líderes europeus tiveram uma reunião especial em Paris, para acertar os ponteiros sobre temas complexos como a guerra na Ucrânia.

Durante a reunião, o presidente da França, Emmanuel Macron, e o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, celebraram os 60 anos do Tratado de Eliseu, que aproximou dois antigos inimigos da Segunda Guerra Mundial e lançou as bases do que viria a ser a integração europeia.

Assinado pelo então chanceler Konrad Adenauer e pelo então presidente Charles de Gaulle, o acordo determinou que representantes dos governos alemão e francês mantenham encontros regulares e promovam consultas mútuas antes de importantes decisões sobre política externa.

Isso valia para questões de segurança, claro. Mas também para temas como educação e cultura. Os dois países que haviam se enfrentado nos campos de batalha acertaram, ali mesmo em 1963, a criação de programas de intercâmbio entre seus jovens e o estímulo ao ensino das línguas francesa e alemã.

Reencontro

Em Buenos Aires, os presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Alberto Fernández não tinham uma data certa a celebrar. A Declaração de Iguaçu, que marcou o início da aproximação entre Argentina e Brasil, depois dos respectivos regimes militares, só vai completar 40 anos em 2025.

Lula e Fernández sabiam, porém, que mesmo sem nenhuma data especial eles tinham muito a comemorar. O abraço que os uniu em Buenos Aires serviu para restabelecer a rota de voo que os dois países haviam traçado e que fora desviada há quatro anos.

“Hoje é a retomada de uma relação que nunca deveria ter sido truncada”, disse Lula na capital argentina.

“A minha presença aqui, na primeira viagem feita a um país estrangeiro, é para dizer ao meu amigo Alberto Fernández que vamos reconstruir aquela relação de paz, produtiva e avançada entre os dois países”.

Lula pediu ainda desculpas ao povo argentino pelas “grosserias” ditas por seu antecessor em relação a Fernández. Como em todos os processos de reconciliação, o pedido de perdão abre caminho para a retomada do relacionamento rompido ou, como neste caso, congelado.

O reencontro de Buenos Aires serve, portanto, para que Argentina e Brasil possam mais uma vez olhar para o futuro. Mas agora, quatro anos depois do furacão que havia alterado o curso da política externa brasileira, que tipo de relações os dois países desejam manter?

Moeda

O paralelo com a relação franco-alemã sempre vem à lembrança, como uma espécie de eterna inspiração. Se os dois principais países da Europa continental souberam superar as suas divergências e liderar o mais bem sucedido processo de integração do mundo, por que algo semelhante não poderia ocorrer abaixo da Linha do Equador?

Muitas coisas podem, sim, ser feitas. Mas os processos de integração, como demonstraram os próprios europeus, levam muito tempo. E o brilho da viagem de Lula acabou parcialmente sequestrado por um falso debate a respeito da criação de uma moeda para o Mercosul.

Delegações dos dois países precisaram ser rápidas para explicar que o projeto em discussão não incluía o fim das moedas nacionais, mas apenas o estabelecimento de uma moeda comum destinada a facilitar o comércio bilateral – e em futuro talvez ainda distante.

As bases para a criação da moeda única europeia foram lançadas pelo tratado de Maastricht, de 1992, trinta e cinco anos depois do início da integração do Velho Continente. E o euro chegou às mãos dos cidadãos europeus apenas em janeiro de 2002.

As falsas notícias sobre a substituição do real e do peso assustaram especialmente os brasileiros, já acostumados a uma relativa estabilidade de sua moeda. Principalmente levando-se em conta a inflação na Argentina, que chegou perto dos 100% no ano passado.

Agora que a confusão se desfez e que o degelo bilateral já começou, pode-se começar a pensar nos próximos passos da relação bilateral, cujo fortalecimento nos anos 1980 e 1990 permitiu a criação do Mercosul, atraindo como parceiros o Paraguai e o Uruguai.

A começar, naturalmente, por uma reaproximação econômica e comercial, no momento em que o mundo atravessa uma crise de inflação – motivada pela guerra na Ucrânia – e outra nas cadeias globais de produção – esta iniciada ainda durante a pandemia e aprofundada por uma nova versão de guerra fria, desta vez entre os Estados Unidos e a União Europeia.

O comércio entre Brasil e Argentina alcançou US$ 26,4 bilhões nos 11 primeiros meses de 2022, com crescimento de 21% em relação ao mesmo período de 2021.

Mas os dois governos precisarão ser criativos ao buscar elevar as trocas bilaterais, uma vez que a Argentina tem pouco acesso ao crédito internacional e deve US$ 40 bilhões ao Fundo Monetário Internacional.

Cidadania

Enquanto isso, os dois países podem inicialmente se reaproximar ao descongelar projetos de integração em áreas como a cultura e a ciência, duramente afetados por decisões tomadas em Brasília nos últimos quatro anos.

Ao mesmo tempo, pode buscar inspiração na história recente europeia para dar um toque mais humano à integração não apenas bilateral, mas de todo o Mercosul.

Um bom exemplo vem da decisão de Adenauer e De Gaulle, ainda em 1963, de criar programas de integração de jovens e de promover o ensino da língua francesa na Alemanha e da língua alemã na França.

Essas políticas pioneiras – prontas para inspirar sul-americanos – levaram ao estabelecimento recente de programas como o Erasmus, que aproxima jovens de toda a Europa.

Existem ainda iniciativas de aproximação que custam pouco ou quase nada. Os países do Mercosul poderiam facilitar a circulação de seus cidadãos nos aeroportos, por exemplo. Os viajantes de países que firmaram o Tratado de Schengen, na Europa, circulam como nacionais.

A integração sul-americana precisa de novas e boas ideias. Daquelas que facilitem a vida das pessoas e as façam se sentir em casa.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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