metropoles.com

Rede digital não é rede social (por Felipe Sampaio)

Assumir-se como rede social contribuiu para conferir uma certa aura democrática às redes digitais

atualizado

Compartilhar notícia

NurPhoto/ Colaborador/Getty Images
Foto de celular aberto no perfil do Twitter do empresário Elon Musk sob fundo em azul do logo da rede social - Metrópoles
1 de 1 Foto de celular aberto no perfil do Twitter do empresário Elon Musk sob fundo em azul do logo da rede social - Metrópoles - Foto: NurPhoto/ Colaborador/Getty Images

Em um evento recente o presidente Lula foi perspicaz quando chamou a atenção para o fato de que “as denominadas redes sociais, na verdade, são redes digitais”. Na mesma direção, há uns dez anos atrás, o ex-presidente FHC observara que “podemos estar mais conectados, no entanto, estamos menos integrados” (Cartas a Um Jovem Político). Ambos se mostraram atentos ao conceito de modernidade líquida sugerido pelo polonês Zigmunt Bauman.

É bem verdade que as redes digitais são o meio de comunicação e informação de maior abrangência e velocidade da história. Por outro lado, até poucos anos definia-se como sendo ‘redes sociais’ as teias de articulação da sociedade civil que debatem justiça social ou políticas públicas, por exemplo. A expressão ‘redes sociais’ acabou sendo banalizada pelo jargão da internet.

Assumir-se como rede social contribuiu para conferir uma certa aura democrática às redes digitais. Eventos como a primavera árabe acabaram reforçando uma impressão geral de que a democracia agora passa por ambientes como facebook, twitter ou telegram. O mesmo pôde ser visto em outras manifestações desde a Espanha até Hong Kong.

Não há dúvida de que essas tecnologias são formidáveis e ampliam as capacidades de debate e mobilização da sociedade, com eficiência jamais alcançada por outros meios. Contudo, é preciso observar que esses canais, apesar de serem um espaço aberto, não se constituem em um ambiente público, nem em iniciativas coletivas da sociedade. Cada macaco no seu galho.

Estamos falando de organizações privadas, com fins lucrativos. Ou seja, essas plataformas (por meio das quais a democracia atual arrisca se reconhecer) têm dono. Dito de maneira alegórica, o que aconteceria se um desses donos resolvesse puxar o plug da tomada?

Naturalmente, é uma hipótese absurda, mesmo porque derrubaria o valor das ações de sua própria empresa. Mas, no que se refere à capacidade de influenciar processos políticos, sociais e econômicos, essa ilustração não chega a ser uma fantasia.

Basta observar que as corporações da era digital superam o conceito de oligopólio, temido por concentrar o controle de um determinado setor econômico. As plataformas digitais chegam a concentrar o acesso a cadeias de diferentes atividades, funcionando como hub ports de segmentos até então independes, como imprensa, cinema, bancos, serviços públicos, telefonia, segurança, defesa, energia, armazenamento de dados, internet das coisas, entre outros.

Ou seja, tudo isso ao alcance do botão off na mesa de um só dono. Por mais que a ilustração pareça distópica, veja o que acontece no mundo inteiro toda vez que o whatsapp sai do ar por alguma pane técnica.

De qualquer forma, as redes digitais são um avanço indispensável ao nosso cotidiano e não devem ser culpabilizadas pelo nosso próprio relaxamento em relação às responsabilidades políticas que cabem à sociedade.  Não podemos confundir os fundamentos da democracia com as facilidades de distribuir selfies ou convocar passeatas de fim de semana. É preciso revigorarmos as formas de organização social (sistêmica e orgânica), de modo que o botão liga-desliga fique nas mãos da sociedade e do Estado.

 

Felipe Sampaio: atual diretor de gestão e integração de informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública; ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria dos ministros da Defesa e da Segurança Pública.

Compartilhar notícia