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Primeiro Ministro, sem título (por André Gustavo Stumpf)

O presidencialismo não fez bem ao Brasil, mas agora é uma discussão vencida

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Presidente Bolsonaro e general Ramos vão ao Congresso Nacional acompanhar entrega simbólica da MP Eletrobrás no Salão Azul do Senado Federal
1 de 1 Presidente Bolsonaro e general Ramos vão ao Congresso Nacional acompanhar entrega simbólica da MP Eletrobrás no Salão Azul do Senado Federal - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Entre 1808 e 1889 o Brasil foi uma monarquia parlamentar, que funcionou de maneira muito razoável. O Império consolidou as fronteiras nacionais que se expandiram de maneira notável, resultado do trabalho de Alexandre de Gusmão, no Tratado de Madri (1750), responsável pelos atuais contornos do país, área muitas vezes maior do que a fixada pelo Tratado de Tordesilhas.

Pedro II, sucessor de D. João VI e de Pedro I, foi o segundo e último monarca do Império do Brasil, reinou por 58 anos. Nascido no Rio de Janeiro, filho mais novo do Imperador Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina, da Áustria, a abdicação do pai e sua partida para Portugal o elevaram à condição de imperador com apenas cinco anos de idade. D. Pedro II foi um homem de letras e das ciências.

O Brasil se diferenciou dos vizinhos hispano-americanos pela estabilidade política e especialmente por sua forma de governo: monarquia parlamentar constitucional. O Império foi vitorioso em conflitos internacionais como a Guerra do Paraguai. E consolidou fronteiras, esmagou revoltas e insurreições. O Brasil parlamentarista foi um sucesso. Fracassou nos seus últimos desafios: as questões militares e a libertação dos escravos.

A primeira questão diz respeito ao fim da guerra do Paraguai. O Imperador tinha visão europeia das Forças Armadas no século 19. A única força permanente deveria ser a Marinha de Guerra. Exércitos são para guerras específicas. Ao fim delas, a força deve ser desmobilizada. Os militares não gostaram. Eram vitoriosos naquele momento e havia também a permanente questão salarial.

A libertação dos escravos revoltou a elite dirigente do país. Escravo era investimento. Os poderosos não gostaram de perder dinheiro e não ter mão de obra disponível para substituir seus trabalhadores. A estes dois fatores se juntaram os positivistas formados pelo francês Augusto Comte que influenciou jovens oficiais.

Esta doutrina, que até hoje permeia a ideologia das Forças Armadas brasileiras, sugere que quanto mais ordem, maior será o progresso. E favorece um governo forte que promova desenvolvimento e evite a anarquia, chamado de ditadura republicana.

Não é por acaso que o primeiro presidente da República foi Deodoro da Fonseca, marechal. O segundo, Floriano Peixoto, também marechal. Ou seja, a República no Brasil resulta de um golpe de Estado. Uma quartelada militar.

Além do positivismo, havia o exemplo norte-americano. Lá os pioneiros chegaram ao novo mundo fugindo de perseguições religiosas. E inventaram um personagem para substituir o Rei e exercer o poder, em nome do povo, com mandato por tempo determinado: o presidente da República.

Este é o problema. O presidente da República tem mandato definido no tempo. Se ele é derrubado antes do final de seu mandato, caracteriza-se algum tipo de golpe. Mas existem possibilidades constitucionais de retirá-lo do poder. E no Brasil são muitos os exemplos de crise constitucional.

Nos Estados Unidos existem dois partidos que reúnem, ou tentam reunir, todas os matizes da política daquele país. No Brasil são mais de trinta partidos que não representam a maioria dos movimentos sociais. Boa parte é destinada apenas a receber dinheiro dos fundos eleitorais.

Alguns militares, no século 21, ainda sonham em herdar o poder moderador do Imperador. É delírio, não há previsão constitucional. Quem cuida da política é o Congresso.

Ameaçar com ditadura é atitude anacrônica, condenada pelas principais forças políticas e econômicas, nacionais ou estrangeiras. O país é grande, forte e diversificado. Não há espaço para novas quarteladas. O processo democrático se consolidou.

O presidencialismo não fez bem ao Brasil, mas agora é uma discussão vencida. Retornamos ao início. O presidente da República convidou o experiente senador Ciro Nogueira (PP-PI) para, na Casa Civil, comandar a área política do governo.

Ele vai conduzir as negociações com o Congresso Nacional, garantir a aprovação dos projetos que interessam o governo e retribuir os favores recebidos. O presidencialismo de coalizão, na prática, é o sistema que tomou forma no Brasil, depois da Constituinte de 1988. Ciro Nogueira será um primeiro-ministro, sem o título.

É a derradeira tentativa do presidente Bolsonaro de manter seu poder. Ele cedeu todos os anéis para manter os dedos. Não trouxe o centrão para o Planalto. Ao contrário, aderiu ao centrão. O primeiro-ministro vai gerir o governo. O presidente deve se concentrar na sua difícil reeleição.

André Gustavo Stumpf é jornalista

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