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O puxa-saquismo – parte II (por Gustavo Krause)

Para o puxa-saco, a proximidade com o Poder é o caminho certo para obter e distribuir vantagens não-republicanas

atualizado 26/03/2023 0:05

Segredo do sorriso perfeito Yanka Romão/Metropoles

Tempos de transição de governo são momentos propícios para a proliferação do “puxa” e a afirmação de dois tipos predominantes: o puxa-saco influente/perigoso e o puxa-saco inocente/operoso.

Em comum, têm a invulgar habilidade de agradar o chefe. Discordar é pecado mortal. Jamais dão a má notícia. É pau para toda obra. Quebram galhos incríveis (e mancham reputações, também). Viabilizam prazeres em ambientes divinos e maravilhosos. A maior recompensa é quando assumem o papel de bobo da corte e arranjam uma boquinha para o cunhado desempregado.

Todo cuidado é pouco com o puxa influente/perigoso. Está sempre armando para obter vantagens pessoais com a proximidade do poder. Como se diz, hoje, elegantemente: vantagens “não-republicanas”. Se esbarrar no núcleo duro do poder, investe no círculo familiar e termina caindo nas graças do chefe. “Amigo do Rei”, consegue “brechas” para encontros fora da agenda oficial. A partir de então, tudo é possível, inclusive, produzir escândalos fatais que derrubam governos.

Vi e vivi cenas e “causos” inacreditáveis. Em 1973, trabalhava na assessoria do então Ministro da Agricultura, Moura Cavalcanti. No início do expediente, dei de cara com um colega, elegante e tão bem “escovado” que mereceu meu registro: “Cara, como você está bonito!”. “Vim do salão do Hotel Nacional: barba, cabelo, massagem. Estou pronto para a noite”. Entendi tudo. Era uma sexta-feira, época em que Brasília era “criança”, porém prometia um futuro grandioso para as diversões individuais e coletivas.

No final do expediente, ao encerrar a conversa com os assessores mais próximos, o Ministro jogo no ar o convite: “Quem me acompanha ao Hotel Nacional para uma sessão de barba e cabelo?”. Quem? Quem? Pressuroso, o escaneado se prontificou: “Eu vou chefe!”. Movido pela curiosidade mórbida, também fui, para assistir ao barbeiro, perplexo com a assiduidade do cliente, usar a navalha até o sangue minar da pele castigada e a tesoura deixar à mostra o couro cabeludo do bajulador.

As botas do governador. Depois de estafante visita às obras, Moura Cavalcanti, então Governador de Pernambuco, queixou-se das botas que maltratavam os pés nas caminhadas. Refestelou-se no sofá, esticando as canelas quando, incontinenti, um parlamentar fez menção de descalçar as botas. O Governador, em ato reflexo, antecipou-se e evitou o vexame. Respirou fundo e cerrou os olhos, certamente, para esquecer a cena constrangedora.

A gripe do Governador. Aconteceu comigo. Estava Governador, transfigurado por uma gripe, agravada por crônica sensibilidade alérgica. Olhos avermelhados. Voz roufenha e tosse. Sem exagero, tinha a sensação de que era o inseto de “A metamorfose” de Kafka. Marcara despacho com o chefe de gabinete de um dos secretários. Despachos chatíssimos. De repente, a pergunta melosa: “Gripado, Governador?” “Um Horror”, respondi e juro que ouvi: “Se o senhor quiser, eu pego e divido a gripe”. Não era um acesso de homoafetividade. Era o puxa-saquismo exponencial. Agradeci com um “amanhã, a gente despacha”.

Com a alma obsequiosa em festa, confessou ao oficial de gabinete: “Melhor que este, só o próximo Governador”.

Soa atualíssimo, o refrão da marchinha do carnaval de 1946 (Roberto Martins e Eratóstenes Frazão): “E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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