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O povo na rua, economia e pandemia (por Gaudêncio Torquato)

Pressão da população é o fermento na massa. Faz deputado e senadores sentirem a temperatura social

atualizado

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Vinícius Schmidt/Metrópoles
Manifestantes pelo impeachment de Jair Bolsonaro se concentram na Praça Cívica, em Goiânia (GO). Os protestantes se deslocarão pela Av. Goiás até a Praça do Trabalhador
1 de 1 Manifestantes pelo impeachment de Jair Bolsonaro se concentram na Praça Cívica, em Goiânia (GO). Os protestantes se deslocarão pela Av. Goiás até a Praça do Trabalhador - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

O pacote de denúncias envolvendo diretores e assessores do Ministério da Saúde, incluindo eventual pedido de propina de US$ 1 para cada dose da vacina a ser adquirida, empareda o governo e estreita a margem de manobra do presidente Bolsonaro para evitar o impeachment. Mesmo assim, é mais que razoável apostar na hipótese de que, hoje, não haveria impedimento. Motivos claríssimos: não há votos para aprovar medida como essa, na verdade, uma equação política e um ritual rigoroso.

Para impedir um governante, não basta maioria simples: são necessários 342 votos na Câmara (2/3), de 513 deputados, e de 51 senadores, do total de 81. Para se alcançar esses números, a ferramenta única é povo na rua, o que não é fácil. Povo é o fermento na massa. Faz deputado e senadores sentirem a temperatura social, examinarem a saúde do presidente. Cria um gigantesco rolo compressor sobre o Congresso Nacional. E põe em risco a volta do próprio parlamentar.

Examinemos essa possibilidade. Um conjunto de fatores se junta para formar a massa conceitual de um impeachment, como carências sociais, falta de recursos para viver, alimentar a família etc. Duas alavancas estão sendo usadas pelo governo para atenuar o sofrimento do povo: a economia, com um esforço para recuperá-la e aumentar o adjutório social (Bolsas/ Auxílios), e a saúde, com a vacinação. Essas duas vertentes vão melhorar ou piorar? O Produto Nacional Bruto da Felicidade aumentará ou diminuirá?

Portanto, o eleitor, eixo maior da engrenagem social e política, está de olho aberto. Sua ida às ruas é a resposta à democracia participativa. Esse mecanismo tem se fortalecido na Europa, nos Estados Unidos e em outras regiões, sob o fluxo de conscientização política. Desenvolve-se o que se chama de autogestão técnica, em que os cidadãos definem os rumos a seguir e os meios que podem garantir sua caminhada.

A conscientização ganha volume com a crise da democracia, caracterizada pelo não cumprimento da agenda social. O povo, indignado, tem se distanciado dos políticos, abrindo um vazio na sociedade, que é ocupado por milhares de entidades de intermediação, como associações e sindicatos. A organicidade social é a resposta às falhas da democracia. Em outros termos, essa democracia que nos deu na CF o referendo, o plebiscito e o projeto de iniciativa popular é a bola da vez, agora jogada nas ruas.

E são cada vez são menos os jogadores (eleitores) que participam de peladas patrocinadas por partidos, bandeiras e cores. A maioria quer entrar em jogos patrocinados por suas necessidades. Pavlov classifica dois grupos de instintos: os de preservação do indivíduo (combativo e nutritivo) e os de perpetuação da espécie (sexual e paternal). Pois bem, as pessoas agem para se defender das ameaças humanas e as da natureza (catástrofes) e, ainda, para garantir a saúde de seu corpo (alimento para suprir o estômago). Os dois primeiros instintos embasarão o caminho a ser seguido. Economia e pandemia se cruzarão. Em suma, povo na rua vai depender das coisas boas e ruins dos próximos tempos na administração pública.

O povo luta por sobrevivência. Lembrando o velho ditado: a necessidade obriga.

 

Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político

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