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O pior do pior (por Tânia Fusco)

Desde as Capitanias, muitos choram os Genivaldos violentados em praças públicas

atualizado 31/05/2022 12:26

Policiais asfixiam homem dentro de viatura Reprodução

Como não falar do Genivaldo? Cidadão brasileiro, torturado e morto em via pública de Umbaúba, Sergipe/Brasil. Sem capacete, dirigia por ali sua velha moto. Foi parado, preso, torturado e morto – na presença de muitos, com registro em imagem e som.

Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, não morreu porque estava sem o equipamento exigido para condutores de moto. Foi assassinado, com sadismo, por dois cidadãos brasileiros “servidores” da Polícia Rodoviária Federal.

Tão seguros da impunidade estavam que nem se abalaram com a presença de outros cidadãos brasileiros que, às claras, usavam o celular para registrar – a abordagem, a violência da prisão na viatura, a explosão de bomba de fumaça que vazou do carro fechado, com Genivaldo dentro, urrando de medo, horror e sufoco.

A cena foi rápida. A brutalidade máxima.  A morte instantânea.  Atestado de óbito: sufocamento. Diferença das câmaras de gás do nazismo? Em Sergipe, o morto era um só. E morreu em espetáculo público.

Quantos Genivaldos já foram torturados assim? Quantos já morreram?

Depois da morte de Genivaldo, apareceu nas redes sociais vídeo “didático” onde um ex-policial rodoviário, no modo professor de curso para candidatos aos quadros da PRF, ensina a pratica da câmara de gás nas viaturas. Coisa assim como um sossega leão corriqueiro, especial para cidadãos brasileiros “muito agitados” no momento da detenção. O professor ri da técnica.

Ou seja, o assassinato em Sergipe não foi um momento de fúria de policiais despreparados. O sufocamento por bomba de fumaça já está na cartilha dos policiais brasileiros. São treinados para a violência, a tortura e o sadismo contra cidadãos rendidos por eles – pobres preferencialmente. Repetitivo.

No país em que gente é diferenciada pela roupa, cor da pele e do cartão de crédito, modelo/ano de carro, deve haver, nas cartilhas de formação de policiais, capítulo dedicado às diferenças obrigatórias nas abordagens aos pobres e aos ricos.

Na mesma semana do assassinato de Genivaldo – a derradeira do sempre lindo mês de maio – mais uma ”operação” policial, na Vila Cuzeiro/RJ matou 26 cidadãos brasileiros. Todos ditos bandidos. Mais que sabido que nem todos eram bandidos. Muito mais do que sabido: comum entre esses mortos é sempre a condição de pobreza, a moradia nas periferias sem leis, sem assistência e direitos básicos de cidadania.

Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e PRF dividiram responsabilidade sobre o ataque/massacre. Mereceram aplausos públicos do atual presidente do Brasil. O tal que, dia a dia, incita a violência no país.

Novidade? Só a presença da Polícia Rodoviária Federal. (Dói vê-la nesse papel).

Qual a função da PRF?

Google conta. “Criada em 1928, com o nome de Polícia de Estradas, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) ganhou o nome atual em 1945. É uma instituição policial subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, que tem como função garantir a segurança nas rodovias federais e em áreas de interesse da União”.

Vila Cruzeiro, sabemos agora, é área de interesse da União.

O pior do pior é que conhecemos o rosário de cabo a rabo e a perna curta das despudoradas justificativas pela violência policial no país. Como gado não marcado, convivemos soltos e abestalhados nos campos cada vez mais minados do Estado brasileiro.

Como se ser corriqueiro não fosse absurdo, trocamos indignação entre amigos, nos espaços largos das redes sociais, em escritas como esta. Ponto.

Amanhã, teremos novos absurdos em pauta. Repetiremos indignação e dor com o gigantismo da violência no atual governo – incentivada e consentida por ele.

Amortecidos? Amedrontados? Conformados? Tudo junto e misturado?

Real é que, como sociedade, temos sido permissivos. E nesse “temos” cabe o cidadão comum, como eu. Cabem as instituições – todas – zeladoras da tal sociedade igualitária e justa, assentada na Constituição brasileira em vigor.

No “temos sido permissivos” cabem o Congresso e o Judiciário. Cabem os organismos de classe e os patronais. Cabem Igrejas e religiosos. Cabem os que fogem para Portugal, socialista, os que se refugiam no reino das compras de Miami. Melhor, mais fácil, estar longe disso tudo. Quando melhorar a gente volta.

Nos permissivos cabem os partidos políticos – os de direita e os de esquerda. No meio, o PSDB, que já representou “A” centro-esquerda brasileira. Por cair forte na malha da permissividade com o afrouxamento das leis, descambou para papel de rabo de saia do velho, variado e forte MDB – partido que, na Ditadura, foi guerreiro arauto da democracia. (Hoje, dá cama e mesa ao Centrão, que de centro não tem nada).

Cabe um de tudo nessa nossa permissividade – até fazer vista grossa para a eleição de um cidadão abaixo de qualquer qualificação. Temos o PR que permitimos. Vivemos o Estado policial – muito violento – que permitimos.

Porque seguimos permitindo, temos uma renitente desigualdade social, que encolhe um pouco, durante pequeno tempo. Com um permitido peteleco, desanda e se agiganta. De novo.

Geração a geração, permitimos que, uns mais do que outros, engulam ferro, fogo e fumaça. Nossa extrema permissividade, agora, assiste o desmantelamento dos sentidos de compaixão, respeito e justiça correndo solto país inteiro.

O pior do pior é que o Brasil é passivamente prisioneiro da permissividade. Desde as Capitanias, muitos choram os Genivaldos violentados em praças públicas. Outros muitos assistem indignados. Só indignados.  E seguimos indignadamente permitindo barbáries a céu aberto.

O pior do pior é que, não sendo praga grudada na terra, no céu e no ar, a desgraceira repetida no Brasil tem o DNA da permissividade de muitas gerações de criaturas que, na hora devida, com a autoridade devida, não disseram basta. Parou!

Tudo tem limite. No Brasil, não. Aqui, o pior do pior é moto contínuo. Passa batido.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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