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O Peru não é aqui (Por Marcos Magalhães)

As eleições no Peru podem levar Bolsonaro a ampliar a ofensiva contra a urna eletrônica e a ascensão da esquerda na região

atualizado

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Reprodução/TV Cultura
Keiko Fujimori tem vantagem estreita em apuração no Peru
1 de 1 Keiko Fujimori tem vantagem estreita em apuração no Peru - Foto: Reprodução/TV Cultura

Os estrategistas do bolsonarismo podem encontrar dois motivos para celebrar o resultado do segundo turno das eleições do Peru. Terão novos argumentos para contestar as urnas eletrônicas brasileiras. E verão no professor rural Pedro Castillo, candidato de ultraesquerda que disputou voto a voto com a liberal Keiko Fujimori, o espantalho ideal para 2022.

Após apuração de 94% das urnas, na noite de segunda-feira (7), Castilho, do partido Peru Livre, somava 50,26% dos votos válidos, contra 49,74% de Keiko, da Força Popular. Uma diferença de apenas 87 mil votos, que cresceu na reta final de apuração.

Foi, provavelmente, uma das eleições mais difíceis da história. Como imaginam os estrategistas do atual presidente brasileiro, desde já, que serão as eleições presidenciais do ano que vem. Uma corrida voto a voto no segundo turno, provavelmente com o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Por isso, o questionamento do sistema eleitoral brasileiro.

Jair Bolsonaro coloca em dúvida a segurança do voto eletrônico desde o começo de seu mandato. Inicialmente disse, sem apresentar provas, que uma fraude evitou a sua vitória em primeiro turno em 2018. Em seguida, passou a defender o voto impresso. Depois, chegou a dizer que todos poderiam “esquecer as eleições” sem a adoção das cédulas de papel.

Uma possível vitória da oposição em 2022, afirmou, só poderia acontecer se houver fraude. Especialmente se a diferença entre os dois candidatos de um eventual segundo turno for tão pequena que pudesse ser revertida mesmo em casa de pequenas falhas na contagem dos votos.

Pois pequena margem foi o que se observou no Peru. A candidata Keiko Fujimori, filha do autocrata Alberto Fujimori, que governou o país entre 1990 e 2000, esteve na frente até que a apuração alcançou 92% dos votos.

A vantagem passou a ser de Castillo quando foram contados os votos provenientes de zonas rurais distantes, que se identificam mais com o líder sindical. O suspense passou então a envolver os votos de peruanos que vivem no exterior, mais favoráveis a Fujimori. Mas a tendência favorável a Castillo se confirmava ao final da contagem dos votos.

Suspense

A apuração deixou o país sem fôlego. Tudo poderia mudar se alguns milhares de votos fossem computados para um lado ou para outro. Em uma eleição tão disputada, a confiança no próprio sistema eleitoral é fundamental para que se reconheça uma vitória.

Há poucos meses os norte-americanos puderam ver o que acontece quando essa confiança é abalada. O então presidente Donald Trump incendiou sua base eleitoral com o argumento de que a vantagem de Joe Biden seria fruto de fraude. Foi o suficiente para radicais republicanos invadirem a sede do Congresso dos Estados Unidos.

Ao ser questionado sobre o que se passou em Washington, em janeiro deste ano, Bolsonaro disse que “algo muito pior” poderia acontecer no Brasil, caso ele venha a perder as eleições. Por isso, reforçou a defesa do voto impresso como meio de evitar fraudes. Voto impresso como nos Estados Unidos.

Agora as eleições no Peru mostram como cada voto pode ser decisivo para o futuro de um país. Por isso, há boa chance de que o presidente aumente a pressão sobre o sistema brasileiro de votação eletrônica, reconhecido como exemplo em todo o mundo.

Medo

Se procura alimentar a desconfiança a respeito da urna eletrônica, Bolsonaro também tem nutrido o medo como arma política. Caso os brasileiros não queiram repetir o exemplo da Venezuela, tem insistido, precisam garantir a sua própria permanência no poder.

Resultados eleitorais na América do Sul nos últimos meses podem servir de munição extra ao presidente brasileiro. Inicialmente houve a vitória do economista Luis Arce, de centro-esquerda, nas eleições presidenciais na Bolívia. Depois foi a vez da grande votação de partidos de esquerda e de independentes nas eleições para a Assembleia Constituinte no Chile.

Agora ocorre a ascensão de Pedro Castillo no Peru. E, neste caso, de um político com posições definitivamente mais à esquerda, a bordo de um partido que não se inibe em anunciar sua adesão marxista. Um candidato que prometeu durante a campanha mudar o modelo econômico do país, especialmente para impor maior controle estatal sobre mineradoras multinacionais.

Assim como outros fornecedores de commodities, o Peru viveu momentos de intenso crescimento econômico a partir do aumento de suas exportações. Mas esse crescimento não se traduziu em ampliação do bem-estar para a maioria da população.

A pobreza já alcança mais de 30% dos peruanos. E muitos dos que conseguem trabalho permanecem na informalidade. O quadro se agravou com a pandemia da Covid 19. E a desconfiança com os políticos aumentou com escândalos de corrupção semelhantes aos descobertos pela Operação Lava-Jato.

O resultado desse cenário de desesperança foi a chegada ao segundo turno de duas candidaturas populistas – uma de direita, outra de esquerda. Nenhuma delas capaz de alcançar uma maioria definitiva do eleitorado.

Diferenças

O radicalismo de Castillo – capaz de levar o escritor Vargas Llosa, histórico oponente de Fujimori, a apoiar publicamente a candidatura de Keiko – poderá ser usado por Bolsonaro e seus seguidores como mais um exemplo dos riscos que se espalham na região.

Para garantir que “a bandeira brasileira nunca seja vermelha”, como gosta de alertar, seria necessário redobrar os cuidados com a esquerda nacional. Especialmente depois do crescimento nas pesquisas da candidatura de Lula.

Em outras palavras, a guerra política se ampliará com os novos acontecimentos. O virtual empate técnico durante a apuração dos votos entre Castillo e Keiko pode servir de pretexto para ampliar a campanha pelo voto impresso. E o avanço da esquerda radical no Peru soaria como alerta adicional aos eleitores brasileiros que temem a volta do PT ao poder.

Entre a propaganda e a realidade, porém, há grandes diferenças. Para começar, o Brasil não chegaria a uma segunda-feira após as eleições sem conhecer o vencedor do pleito. Mesmo que duas candidaturas venham a obter resultados próximos, as urnas eletrônicas – até hoje comprovadamente seguras – indicariam o vencedor na noite do próprio domingo.

Por outro lado, existem poucas semelhanças entre Castillo e Lula. O primeiro é assumidamente marxista e tem simpatias pelos regimes venezuelano e cubano. O segundo, embora preserve preocupações sociais e tenha mantido boas relações com países como Cuba, nunca entrou em choque com os principais atores do capitalismo brasileiro.

O programa Bolsa Família, maior conquista das gestões petistas, agora pode até mudar de nome para servir como vitrine de campanha de Jair Bolsonaro. Ou seja, as eleições no Peru podem levar o atual presidente brasileiro a ampliar a ofensiva contra a urna eletrônica e a ascensão da esquerda na região. Mas o Peru, definitivamente, não é aqui.

Marcos Magalhães escreve no https://capitalpolitico.com/

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