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O novo lugar do Brasil no mundo (por Marcos Magalhães)

A cena global com crescimento da extrema-direita não é para amadores. Ela vai exigir lideranças capazes de atenuar conflitos

atualizado

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Franco Origlia/Getty Images
Giorgia Melonia primeira-ministra Itália
1 de 1 Giorgia Melonia primeira-ministra Itália - Foto: Franco Origlia/Getty Images

Os ecos do fascismo amplificados para o resto do mundo pelas urnas italianas servem para nos lembrar de uma verdade inconveniente. Enquanto a disputa eleitoral brasileira chega à reta final com a mesma pobreza de ideias de seu início, as mais recentes notícias internacionais demonstram que o novo inquilino do Palácio do Planalto terá um mundo difícil pela frente.

A jornalista Giorgia Meloni, nascida em 1977, vai levar a ultradireita ao poder em seu país pela primeira vez desde 1945. Seu partido, Irmãos da Itália, consolidou-se como maior força política do país, com 26% dos votos. E uma coalizão de direita, liderada por ela, deverá formar o próximo governo italiano.

Seu lema de campanha, “A Itália e os italianos em primeiro lugar”, até lembra a America First de Donald Trump. Mas tem raízes mais profundas na história de seu país. O logotipo de sua legenda é uma chama estilizada com as cores italianas, semelhante à que adorna o local onde se encontram os restos mortais de Benito Mussolini.

Meloni uniu-se à juventude do movimento neofascista quando tinha ainda 15 anos. Há dez anos fundou o grupo Irmãos da Itália. Em 2020 assumiu a presidência de um grupo conservador europeu que reúne partidos como o espanhol Vox e o polonês Lei e Justiça.

Depois da vitória nas urnas, ela apostou em um perfil mais moderado, dizendo que, se for chamada para liderar o país, governará para “todos os italianos”. Mas o retorno dos fascistas ao poder depois de quase 80 anos levou preocupação aos países vizinhos.

Em editorial de primeira página, o jornal francês Le Monde afirma que o resultado das eleições italianas “projeta uma sombra sobre a Europa”. Mesmo que anunciada pelas sondagens, diz o jornal, “a vitória de um movimento neofascista em país fundador da União Europeia, terceira maior economia da zona do euro, não constitui nada menos que um terremoto político”.

Terremoto que abalará um continente já submetido ao medo dos rigores do próximo inverno sem poder contar com o seguro fornecimento de gás russo para aquecer suas famílias. Ou mesmo ao pânico de se transformar em alvo da fúria nuclear de Moscou.

O presidente russo Vladimir Putin, contestado nas ruas de seu próprio país pelas consequências políticas e econômicas da invasão da Ucrânia, já disse que não está blefando ao lembrar que tem um arsenal nuclear ao alcance de seus dedos.

E, enquanto ele apenas ameaça apertar botões apocalípticos, a guerra espalha duras consequências por todo o mundo. Se os europeus temem os rigores do inverno sem o gás russo, países da África e da Ásia perderam acesso a grãos que importavam da Ucrânia. E ondas de inflação se espalham por todos os continentes.

Se o mundo já lutava para garantir a retomada da economia depois de dois anos de pandemia, agora bancos centrais de diversos países sobem os juros para conter a inflação. A volta do crescimento pode demorar.

Para completar o quadro, a ameaça de ter interrompido o acesso ao gás russo tem levado diversos países a recorrer a fontes mais poluentes de energia, como o carvão. Com isso, tornam-se igualmente ameaçadas as metas do Acordo de Paris para a busca de modelos energéticos que permitam o mundo a conter as emissões de gases do efeito estufa.

A cooperação internacional para proteger o planeta cedeu lugar, ainda que temporariamente, a preocupações nacionais com a própria segurança energética. Assim como o medo de um mundo mais hostil – seja pelas guerras, pelos riscos associados ao tema da energia ou mesmo pelo temor de ondas migratórias – fortaleceu tendências ultraconservadoras na Europa.

A eleição de Meloni é a face mais recente de um mundo que se torna cada vez mais fragmentado. E perigoso. A História nos mostra o que extremistas de direita podem fazer a seus países. Da mesma maneira, a História indica como são necessários esforços para se evitar a eclosão de um conflito nuclear – como o que Putin ameaça detonar.

A cena global contemporânea não é para amadores. Ela vai exigir lideranças capazes de atenuar conflitos e de atuar na busca de soluções cooperativas para temas que vão da economia ao meio ambiente, passando pela definição de fronteiras nacionais.

Enquanto tudo isso ocorre, temos um presidente – igualmente fascinado pela extrema direita e por um nacionalismo radical – que leva às ruas uma campanha eleitoral baseada em temas como religião e costumes. Deus, pátria e família.

A começar pelos vizinhos sul-americanos, o mundo aguarda com certa ansiedade o resultado das eleições brasileiras. Não que o país tenha lá tanta importância. O Brasil não está entre as maiores economias mundiais e nem conta com arsenal atômico. Mas se observa com atenção a tendência que as urnas brasileiras podem apontar.

Na Europa a extrema direita tem conquistado espaço. Ainda não chegou ao governo de países importantes como a França e a Alemanha, mas agora será capaz de definir os rumos do futuro governo da Itália. E o que isso pode representar? Ainda maiores incertezas em um mundo afetado pela guerra, pela inflação e pelos riscos de recessão e crise climática.

É neste cenário que tomará posse o próximo governo brasileiro, em janeiro. Um cenário bem diferente do que aguardava, no início deste século, um recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Caso as pesquisas se confirmem e Lula obtenha um novo mandato, ele precisará reunir as melhores cabeças pensantes do Brasil para traçar os rumos do país nesse turbulento início de década. Se ele tem demonstrado empenho em obter o mais amplo apoio político para se eleger, mais energia ainda precisará investir na definição do novo lugar do Brasil no mundo.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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