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O medo (por Gustavo Krause)

O eleitor vai se contrapor ao medo, instrumento de controle da liberdade

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Foto ilustrativa para matérias que falem de medo, solidão, perigo – Brasília – DF 26/11/2016
1 de 1 Foto ilustrativa para matérias que falem de medo, solidão, perigo – Brasília – DF 26/11/2016 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

“Viver é negócio muito perigoso…[…] O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria. Aperta e daí, afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Guimarães Rosa falava, fluentemente, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano e esperanto. Lia sueco, holandês, latim e grego, bem que podia escolher qualquer idioma para escrever. Brasileiramente, escolheu a língua-mãe, o português, mas foi o autor de uma revolução linguística.

Criou quase uma dezena de milhar de neologismos e, segundo os estudiosos, 30% do léxico de Rosa não está dicionarizado. A primeira leitura de “Grandes Sertões: veredas” exige esforço na busca dos significados, depois, o leitor viaja do regional para universal, uma fusão de sentimentos, de sabedoria com gosto de carne seca e rapadura para os da banda de cá.

O que mais me sensibilizou foi a reflexão existencial que propõe coragem para enfrentar o vaivém da vida. É exatamente esta virtude de que necessitamos no processo político-eleitoral para sair de casa e exercer o poder-dever do voto.

O que deveria ser um ato praticado, em clima de paz e esperança que ratifica a democracia e fortalece o plebiscito cotidiano que forja a nação, transformou-se num ambiente de insegurança e de medo, decorrente do aprofundamento da radicalização, sobretudo, da violência política que permeia a sociedade brasileira.

O processo vem se agravando, mundo afora, e foi objeto da obra magistral de Manuel Castells “Redes de indignação e esperança na era da Internet” que analisa em profundidade as manifestações ocorridas com um posfácio dedicado ao Brasil de 2013.

A voz das ruas deixou uma clara e contundente mensagem: “vocês não nos representam”: grave abalo nas democracias liberais por conta da descrença e do ressentimento em relação ao estabilishment.

Resultado: as líderanças populistas e autocráticas encontraram o ambiente fértil para as mensagens messiânicas.

No Brasil, o Presidente surfou na onda, desafiou instituições, desrespeitou pessoas. Sua contraparte, Lula, reaparece com promessas de paz e amor: “um museu de grandes novidades”(crédito para Cazuza em “O tempo não para”).

Nós vamos ofertar à democracia o que ela quer de nós: coragem cívica. Em troca, a democracia vai, como escreveu Guimarães Rosa, “desinquietar” os exaltados, garantir liberdade, direitos fundamentais e paz social.

O eleitor terá a palavra final. E vai contrapor ao medo, instrumento de controle da liberdade, a virtude da coragem que se mantém entre dois abismos: a covardia e a temeridade.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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