metropoles.com

O homo aprendiz de feiticeiro (por Eduardo Fernandez Silva)

É crescente o número daqueles que buscam alternativas. Já não é nova a ideia de “retomada verde”

atualizado

Compartilhar notícia

Aluísio Moreira/SEI
Imagem de geradores de energia eólica - Metrópoles
1 de 1 Imagem de geradores de energia eólica - Metrópoles - Foto: Aluísio Moreira/SEI

O aprendiz de feiticeiro, achando-se sapiens, fez o feitiço. Maravilhou-se ao ver o esfregão trabalhar por ele; trabalhou tanto que inundou a casa, sem que o aprendiz conseguisse fazê-lo parar. Na ausência do mestre, o aprendiz desencadeara forças que não sabia controlar; benéficas no início, logo se transformaram em pesadelo.

Essa estória é atribuída a Luciano de Samósata, que nasceu apenas um século após Cristo. Goethe a adaptou em poema escrito em 1797.

Assim é com a espécie homo. Somos animais. Dependemos de plantas e outros animais para sobrevivermos. Transformamos o planeta e passamos a usar parcelas crescentes da sua produtividade biológica, que é alimentada pela energia solar (fotossíntese), processo que os ditos sapiens não sabem reproduzir. Nessa expansão, outros animais e plantas estão sendo exterminados, e o ambiente vai se transformando. O acúmulo de CO2 na atmosfera é apenas uma dessas mudanças, imprevistas e danosas.

O homo aprendiz, achando-se sapiens, desencadeou o poder da energia fóssil. Maravilhado pela capacidade adicional de trabalho assim obtida, locupletou-se e resiste a acreditar naqueles que estudam o clima, a desertificação, a perda de biodiversidade, a acidificação dos mares, a queda das colheitas vindas do oceano antes tido como infinito: que, no ritmo atual, as consequências negativas tendem a prevalecer.

Será que o homo discipulus, dito sapiens, aprenderá? Se aprender, o que fará?

Há fortes sinais de que está aprendendo, apesar das resistências. É crescente o número daqueles que buscam alternativas. Já não é nova a ideia de “retomada verde”; são fortes os clamores e as iniciativas para incorporar questões sociais e ambientais à gestão das empresas (ESG); mais e mais leis, em número crescente de países, tolhem o ato de poluir; a busca de alternativas aos fósseis já é velha de décadas, e tem surtido efeitos crescentes. São cada vez maiores os sinais da rápida obsolescência dos equipamentos movidos a energia fóssil.

Por certo ainda falta muito a ser feito, e há resistentes em posições de elevado poder. Tais resistências, porém, não podem esconder o fato de que as consequências negativas se avolumam. Ou seja, o ambiente se torna progressivamente desfavorável à continuidade dos membros da espécie associados aos fósseis. Adaptar-se será inevitável, como acontece com as leis da natureza.

O aprendiz de feiticeiro, que muitas vezes não é sapiens, maravilhado com seu enriquecimento à base da energia fóssil, acreditou que mudaria o mundo a seu favor. Mas se esqueceu de que não poderia mudar as leis da física nem as da natureza.

Reconhecer tal fato é essencial para a construção de um futuro para nossos filhos e netos. O Brasil, onde a maioria dos detentores do poder político e econômico, assim como os aspirantes a tais posições, permanecem mudos sobre esse futuro, corre sério risco de, mais uma vez, deixar passar a oportunidade para, depois, tentar correr atrás dela.

 

Eduardo Fernandez Silva. Mestre em economia. Ex-diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.

Compartilhar notícia