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O governo derrete (por João Bosco Rabello)

A repercussão negativa da quebra do teto, dentro e fora do Brasil, se materializará em pressão dos mercados sobre os parlamentares

atualizado 22/10/2021 2:47

protesto contra o governo bolsonaro no eixo monumemtal em brasilia 7 Igo Estrela/Metrópoles

A questão grave, mais grave que a própria decisão do governo de furar o teto de gastos, é a sua motivação, da qual não se fez segredo, nem disfarce: licença para gastar na campanha eleitoral. Assim não haverá, posteriormente, em eventual apuração, justificativa consistente para o ato.

A iniciativa das demissões pelos secretários do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, se prendem a esse diagnóstico e visa a preservar a credibilidade profissional de ambos, além de exibir temor de consequências judiciais.

São técnicos que agem como técnicos, ou seja, abandonam o barco não pelo naufrágio possível, mas pela deliberada ação do governo de programar a tragédia. Trocando em miúdos, a debandada embute um aviso de que a manobra não tem o menor risco de dar certo.

Os secretários adjuntos também pediram o boné e outro secretário – o de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Coelho – pediu as contas quase ao mesmo tempo. Em comum, a interferência populista do governo na gestão econômica.

Mais discreta, a saída de Coelho ocorre no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou aos caminhoneiros uma espécie de bônus diesel, para compensar os recentes aumentos no preço do combustível. Ele volta para a iniciativa privada, o que deve ocorrer também com os outros quatro demissionários de hoje.

O governo não demonstrou a execução dos recursos a não ser com a síntese do auxílio Brasil. O que precedeu a decisão de furar o teto foi uma distribuição feroz de recursos que começa nos fundos partidário e eleitoral e desaguam nas emendas de relator, justificadamente cunhadas de “secretas”, que não tiveram seus tetos questionados.

O governo constrói assim uma modalidade de pedalada constitucional, mas que não deixa de ser pedalada.  Por fim, ainda é preciso que a Câmara aprove a PEC. Considerada a recente derrota do presidente da Casa, Arthur Lira, na votação das mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público, é razoável a dúvida sobre o desfecho em plenário. Lira recebeu o chamado “tranco” de sua base, depois de um período em que fez um jogo bruto – a começar pela seletividade empregada nas emendas de relator.

A repercussão negativa da quebra do teto, dentro e fora do Brasil, se materializará em pressão dos mercados sobre os parlamentares, além da crítica na mídia cujo enfoque eleitoreiro está consolidado.

O problema é que o figurino não cobre a realidade, pois subtraídos os recursos das emendas, entre outros, o auxílio seria possível sem a quebra do teto. Trata-se de uma escolha clara – a de liberar gastos em causa própria.

 

João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Ele é jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública

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