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O estranho caso da hidroxicloroquina no Brasil (por Ricardo Guedes)

Os bolsonaristas, independentemente da escolaridade, esposam a causa da hidroxicloroquina, como se fosse uma questão política

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
bolsonaro e cloroquina
1 de 1 bolsonaro e cloroquina - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

O uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce no Brasil para Covid-19, medicamento cientificamente comprovado como ineficaz para o vírus, provém de três fatores. Primeiro, da polarização política estimulada pelo presidente Bolsonaro, hoje na liderança de somente 25% da população, que, dentro da crendice e da ignorância, atribui suposta eficácia ao referido remédio. Segundo, devido ao processo da formação profissional em nosso sistema universitário, por vezes desassociado da atividade da pesquisa científica, gerando a possibilidade de equívocos de interpretação por alguns profissionais. Terceiro, do curandeirismo, como as soluções caseiras, que também faz parte de nossa cultura, campo fértil para a aventura e o charlatanismo.

Na semana em que o país atinge 600 mil óbitos por Covid-19, o Brasil, com 2,7% da população do mundo, representa 12,4% dos óbitos mundiais pela pandemia. A CPI do Senado aponta corretamente os problemas e o mal uso da hidroxicloroquina no país, com consequências significativas na crise sanitária.

O carro-chefe é a polarização política. É surpreendente como os bolsonaristas, independentemente da escolaridade, esposam a causa da hidroxicloroquina, como se fosse uma questão política, e não médica. A teoria da imunização de rebanho foi erroneamente utilizada no Brasil, baseada na negação da gravidade do problema e na expectativa da continuidade ininterrupta da atividade econômica, ambas percepções equivocadas. Adicione-se o interesse comercial a esta estratégia, do tratamento fácil e da minimização de custos, como no caso da Prevent, conforme noticiado pela imprensa.

O que houve de bom ou eficaz no salvamento de vidas no primeiro ano da pandemia se deve, quase que exclusivamente, aos médicos, enfermeiros, e profissionais da saúde de nosso país, no esforço individual e coletivo, ao custo pessoal e por vezes da vida. A formação profissional no Brasil, entretanto, à exceção de centros de excelência como a USP e outros, nem sempre está vinculada à atividade de pesquisa, como nos Estados Unidos e na Europa. Isto não significa que não tenhamos excelentes médicos, alicerçados na experiência clínica. Mas a desassociação entre a formação profissional e a pesquisa científica pode levar por vezes a eventuais equívocos de interpretação por parte de alguns profissionais.

Adicionalmente, o curandeirismo, até certo ponto, faz parte de nossa tradição. Em grupos de discussão realizados pela Sensus, os participantes acham que as consultas são caras e que os médicos nem sempre acertam em seus diagnósticos. Muitos afirmam que vão ao médico para ter uma primeira avaliação, depois decidindo sobre a propriedade e extensão do tratamento prescrito. Soluções próprias abrem caminho para soluções inadequadas.

Este é o drama brasileiro da hidroxicloroquina, motivo de galhofa em todos os países do mundo, e que tão caro tem sido na perda de nossos entes queridos.

 

Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus

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