O “circuito fechado” no mercado rodoviário (por Caio Franco)
Transporte mais democrático do mundo, o ônibus rodoviário opera no Brasil com restrições do século passado
atualizado
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Na semana passada comemoramos o Dia Mundial do Turismo, data que surgiu para destacar a importância do setor nos mais diferentes aspectos, mas principalmente os econômicos. Além da celebração, é uma oportunidade para revisitar questões urgentes que pedem um debate e encaminhamento definitivos.
No caso, vale enfatizar a emergência da abertura do mercado de viagens rodoviárias, especialmente do fretamento turístico, aquele segmento que em passado recente se resumia a transportar grupos fechados de viajantes – mas, que com a chegada das plataformas tecnológicas, mudou e passou a permitir reservas online. No entanto, as regras se mantiveram analógicas e protecionistas.
A norma do “Circuito Fechado”, que desde 1998 rege todas as viagens no segmento de fretamento interestadual, é um atentado tanto à liberdade de mercado quanto à democratização do transporte. Ao obrigar que o grupo de pessoas na viagem de ida seja o mesmo da viagem de volta, numa espécie de venda casada, ela obstrui o desenvolvimento do setor, inviabilizando a atividade de aplicativos, como a Buser, que trazem em sua essência a flexibilidade e a possibilidade de uso de plataforma digital para fazer as reservas no formato que for mais conveniente ao consumidor.
Além disso, gera ociosidade, pois nesse modelo, o motorista contratado e o ônibus, que custam ao empresário cerca de R$ 1 milhão, ficam inativos até a data da volta.
Um estudo elaborado pela LCA Consultores, divulgado no início deste ano, mostra que a revogação dessa norma do século passado, trará impactos positivos para a economia brasileira, pois além de ampliar a arrecadação de tributos para os cofres públicos em R$ 462,8 milhões e criar 63,5 mil novos empregos no setor, projeta um aumento de até R$ 2,7 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB).
A LCA também indica uma tendência na redução do preço médio das passagens de ônibus, que poderia chegar a 20% com o acirramento da pressão competitiva no setor rodoviário com o fim do “circuito fechado”. Com isso, também seria possível um incremento de R$ 970,3 milhões nos gastos em outros segmentos turísticos, como alimentação, alojamento, agências de turismo, transporte, cultura e lazer.
A polêmica em torno do circuito fechado como gargalo ao desenvolvimento do país já envolveu o próprio Poder Executivo. O Ministério da Economia, por meio da Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (Fiarc) declarou, em janeiro de 2022, que o “circuito fechado” é anticoncorrencial, viola as regras da OCDE e traz prejuízo estimado em R$1 bilhão ao ano para o país.
Além desse diagnóstico, propôs alteração da regulação para prever a categoria de fretamento colaborativo, ofertado via aplicativos ou plataformas digitais, por gerar benefício à população e nova demanda para o setor.
Já o Ministério do Turismo pediu a revogação do circuito fechado para atendimento à demanda turística, considerando-a um gargalo para o turismo de proximidades, conforme a Nota Técnica 2/2021/CGMab/DPOC, de fevereiro de 2021.
À frente da área de Políticas Públicas da Buser e com a experiência de liderar processos de regulamentação de outros negócios disruptivos na mobilidade, compreendo na prática o descompasso entre a inovação e a legislação.
É natural que a ideia venha antes da legislação, é ela que pavimentará o caminho. Mas é necessária maior agilidade do poder público para que que a lei abarque o novo, seja flexibilizando a regulamentação existe, seja criando uma norma nova que dê segurança jurídica à atividade em questão – no caso, do fretamento colaborativo, que digitalizou o processo de formação de grupos de viagem.
Uma pesquisa com mais de cinco mil passageiros da Buser mostrou que 88% escolhem o serviço de fretamento por conta do preço mais baixo, praticidade ao comprar pelo aplicativo (43%), conforto dos ônibus (32%) e disponibilidade de horários (29%). Outro levantamento, da Quaest, deste ano, com mais de duas mil pessoas, mostra que a imensa maioria apoia mudanças na legislação para promover a inovação e ampliar a concorrência no setor de transporte de passageiros.
Essa mostra ainda revelou que entre as pessoas com renda de até dois salários mínimos, pelo menos 72% viajaram de ônibus em seus deslocamentos recentes. Também nesse sentido de inclusão há dados da Buser mostrando que 62% dos usuários da plataforma têm renda de até três salários mínimos.
Ou seja, o ônibus é o meio de transporte mais democrático do país e a abertura do setor de fretamento, viabilizada pelo avanço tecnológico, já caiu no gosto do brasileiro por se revelar uma opção acessível. E tem sido defendido por especialistas como o melhor caminho para o desenvolvimento em curto prazo do turismo, setor que atualmente representa cerca de 8% do PIB brasileiro e tem um potencial gigantesco para crescer.
Não há, portanto, justificativa para que se mantenha o setor nesse estágio de paralisia, com o adiamento crônico de medidas que o consolidem , a menos que se admita a interferência de elementos estranhos à lógica e ao bom senso das regras concorrenciais.
Caio Franco é diretor de Políticas Públicas, Jurídico e de Comunicação da Buser