Enquanto o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva cruzava o Atlântico para participar da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), em Sharm El-Sheikh, no Egito, um esperado encontro de cúpula ocorria em outro balneário, a 9500 quilômetros.
Os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da China, Xi Jinping, estiveram na segunda-feira (14) frente a frente em Bali pela primeira vez desde a posse do primeiro, há dois anos.
Se a chegada de Lula promete ser o ponto alto da COP 27, uma espécie de retorno do Brasil ao cenário internacional, o encontro dos líderes das duas maiores potências globais – e os dois maiores emissores de gases do efeito estufa – reacendeu esperanças no Egito, onde negociadores aguardavam notícias com ansiedade.
“O mundo espera que a China e os Estados Unidos desempenhem papéis essenciais no trato de desafios globais, das mudanças climáticas à insegurança alimentar”, disse Biden ao chegar à reunião com o colega chinês, na Indonésia. “Os Estados Unidos estão prontos para trabalhar em conjunto”.
Os dois líderes viajaram à Indonésia para participar de reunião de cúpula do G-20, grupo que reúne 19 países industrializados e emergentes e a União Europeia. Além da questão ambiental, a estabilidade política e a recuperação da economia estarão em pauta.
Para os negociadores na COP do Egito, que buscam meios de conter a elevação da temperatura do planeta e evitar o derretimento de calotas polares, o relativo sucesso do encontro bilateral foi uma espécie de bem-vindo degelo.
Biden e Xi Jinping concordaram na segunda-feira em enviar seus representantes de volta à mesa de negociações. Essas conversas haviam sido suspensas desde agosto, devido a dificuldades nas relações comerciais e em retaliação à visita a Taiwan da presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.
Taiwan continua a ser o principal ponto de discórdia entre os dois países. As tensões aumentaram muito depois da visita de Pelosi, que levou o governo chinês a realizar grandes manobras militares nas proximidades da ilha, considerada “rebelde” por Beijing.
Durante a reunião de cúpula, os dois líderes procuraram demarcar suas posições. Xi Jinping advertiu seu colega de que Taiwan seria a “primeira linha vermelha que não pode ser atravessada nas relações bilaterais. Biden reiterou que pode vir a defender a ilha por meios militares, mas evitou o tom de confronto.
Ao final do encontro, em entrevista coletiva, o presidente norte-americano disse que prefere ver o tema resolvido pacificamente e que não identifica nenhuma ameaça iminente de invasão da ilha por parte da China. “Eu acredito que não existe absolutamente nenhuma necessidade de uma nova Guerra Fria”, afirmou Biden.
Embora modesto, o resultado do encontro pode abrir espaço para novas negociações internacionais sobre temas como a retomada da economia no que parece ser a etapa final da pandemia, embora grandes cidades da China ainda enfrentem medidas de isolamento. E, é claro, sobre a ameaça do aquecimento global.
Xi Jinping chegou a Bali com o mandato renovado pelo Congresso do Partido Comunista da China. Biden viajou para a Indonésia animado com os resultados, ainda incompletos, das eleições legislativas de metade de seu mandato.
Se ainda existe a possibilidade de o Partido Republicano formar a maioria da Câmara de Representantes, ainda que menor do que a esperada, já havia certeza, quando viajou à Ásia, de que o Partido Democrata manteria a maioria no Senado – pelo menos com o voto de minerva da vice-presidente Kamala Harris.
Esse resultado melhor do que o esperado para os democratas também serviu como estímulo às negociações ambientais que estão ocorrendo no Egito. Isto porque o controle republicano sobre o Congresso – especialmente por políticos ligados ao ex-presidente Donald Trump – seria um sinal de dificuldades para a agenda climática proposta por Biden.
Trump, que sempre se mostrou cético em relação ao aquecimento global, ainda pode manter viva a sua intenção de retornar à Casa Branca após as eleições de 2024. Mas a visão radical do ex-presidente começou a ser questionada por integrantes de seu próprio partido, que o julgam parcialmente responsável por derrotas para os democratas em vários estados americanos.
O próprio Biden, perto de completar 80 anos, pode não buscar um novo mandato. Ao longo dos próximos dois anos, porém, ele parece disposto a manter a porta aberta às negociações globais sobre a mudança climática.
Não se trata de céu de brigadeiro. As negociações prometem ser duras, especialmente no que se refere ao financiamento de ações para conter o aquecimento do planeta. Mais uma vez países industrializados, entre os quais os Estados Unidos, podem oferecer resistência às reivindicações de nações emergentes por mais recursos e tecnologia.
Também estamos longe de ter certeza de que compromissos a serem assumidos no Egito virão, de fato, a ser cumpridos nos próximos anos. Promessas anteriores não livraram o planeta de estar a caminho do “inferno climático”, como definiu na abertura da conferência o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Mesmo assim, o início do degelo nas relações entre China e Estados Unidos pode ajudar a criar uma atmosfera política favorável à busca de entendimento global em um momento tão preocupante, que ainda inclui no cenário a Guerra da Ucrânia.
Preocupado com as notícias do front, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, decidiu não ir à reunião do G-20. A mesma decisão tomou o ainda presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Esse é o clima político que aguarda o presidente eleito do Brasil no balneário egípcio onde se realiza a COP 27. Além de certo alívio motivado pelo encontro de cúpula dos dois maiores líderes mundiais, uma expectativa muito otimista precede a chegada de Lula.
Afinal, quando o assunto é meio ambiente, o Brasil também se torna protagonista.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.