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Novas rotas para a América do Sul (por Marcos Magalhães)

Lula pretende retomar mecanismos de cooperação e integração regional que andaram esquecidos nas gestões dos dois últimos presidentes

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro conversando com presidente Lula, no palácio do Itamaraty - Metrópoles
1 de 1 Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro conversando com presidente Lula, no palácio do Itamaraty - Metrópoles - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Nos últimos dias de 2022, ainda nos preparativos do que viria a ser o terceiro governo Lula, um grupo de manifestantes de camisas amarelas agitava bandeiras brasileiras a quem deixava o aeroporto de Campo Grande e se dirigia ao centro da cidade.

Quem se aventurava pelo interior do Mato Grosso do Sul, a turismo ou a trabalho, percebia que os saudosos do regime militar acampados na capital do estado não estavam sós.

As conversas pelo interior muitas vezes chegavam a dois temas. Um dos assuntos mais frequentes eram as viagens de ônibus que estavam sendo programadas para Brasília, a partir de várias cidades do interior. Outro era a ponte em construção na cidade de Porto Murtinho.

Algumas semanas depois todos soubemos o que eram as tais viagens. Centenas de ônibus de várias partes do país levaram à capital federal as pessoas de camisas amarelas que decidiram invadir e depredar as sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro.

O outro tema poderia parecer mais obscuro, mas frequentava igualmente o imaginário de simpatizantes do ex-presidente, então em final de mandato. Muitos deles direta ou indiretamente ligados ao agronegócio em um dos estados mais dinâmicos do país.

Pois a construção de uma nova ponte entre o Brasil e o Paraguai, próxima a Porto Murtinho, é uma das mais importantes etapas da implantação da Rota Bioceânica, uma longa rodovia que ligará o Centro-Oeste brasileiro aos portos do Chile, cruzando o norte do Paraguai e da Argentina.

Ainda não se trata das ferrovias sonhadas por produtores brasileiros para chegar aos portos do Pacífico, capazes de reduzir drasticamente os custos de transporte do agronegócio de exportação.

Mas a nova rodovia, que pode estar pronta até 2025, já deve garantir mais competitividade aos produtores interessados nos mercados asiáticos – especialmente o chinês.

Segundo os defensores do empreendimento, o caminho da soja brasileira em direção à China será 8 mil quilômetros marítimos menor que o tradicional, pelos portos do Atlântico e passando pelo canal do Panamá.

O tempo de viagem será encurtado em duas semanas, e o preço do frete até 40% menor. Além disso, a nova rodovia poderá estimular o desenvolvimento de regiões como o Chaco paraguaio e a fronteira norte da Argentina, onde estão cidades como Jujuy.

Ou seja, este é um tema que poderia aproximar produtores, até há poucos meses entusiasmados bolsonaristas, do presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Especialmente quando opositores estimulados pelo agronegócio tentam esvaziar os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. E Brasília sedia a primeira cúpula nesta gestão de presidentes da América do Sul.

São esperados na capital federal os líderes de 11, de 12 países sul-americanos – com exceção da presidente do Peru, Dina Boluarte, que permanecerá em Lima por questões legais internas.

Lula pretende retomar mecanismos de cooperação e integração regional que andaram esquecidos nas gestões dos dois últimos presidentes brasileiros. Entre eles a antiga Unasul, abandonada por Jair Bolsonaro, que preferiu a criação do incipiente Prosul.

Os tempos, porém, são outros. Não existe mais a onda rosa que havia contagiado o subcontinente no início do século. O governo peronista da Argentina, por exemplo, se vê diante da possibilidade de derrota nas eleições de novembro.

Lula tem pela frente, portanto, um país ainda extremamente dividido após as eleições e uma região marcada por importantes diferenças ideológicas e escassos resultados econômicos.

Diante disso, que prioridades ele deveria ter? Aparentemente poderia começar por tudo o que seja capaz de unir tanto um país fraturado como um subcontinente em busca de novo rumo.

Um tema consensual seria a retomada de antigos projetos de integração física regional, como a própria Rota Bioceânica. Implantados em doses homeopáticas, esses projetos poderiam aproximar governantes e estimular o crescimento, em momento delicado da economia mundial.

A construção de rodovias e ferrovias de integração não beneficiaria apenas produtores agropecuários. As novas rotas também poderiam facilitar o transporte de cargas industriais e até mesmo, por que não, o trânsito de pessoas entre os diversos países da América do Sul.

Lula chegou a recordar, em artigo publicado há uma semana, a necessidade de ampliar a exportação de produtos industriais para os países vizinhos.

Infelizmente, porém, as primeiras notícias sobre a cúpula envolvem um tema politicamente delicado: as relações com a vizinha Venezuela. O presidente Nicolás Maduro capturou as manchetes ao ser o primeiro a chegar a Brasília na segunda-feira.

Depois de um encontro com o líder da ditadura venezuelana, que classificou como “histórico”, Lula aproveitou o momento para renovar o arsenal de críticas a Washington.

“Maduro não tem dólar para pagar as suas importações”, afirmou Lula. “É culpa dele? Não. É culpa dos Estados Unidos, que fez um bloqueio extremamente exagerado”.

Suas palavras soarão como música aos simpatizantes do atual governo situados mais à esquerda. Assim como servirão como munição a agradecidos representantes da extrema-direita, que poderão usá-las para detonar a política externa da nova administração.

Pouca gente estará de acordo com o isolamento permanente da Venezuela. O Brasil, afinal, mantém relações diplomáticas com várias ditaduras de direita e de esquerda.

A calorosa recepção a Maduro na véspera da abertura da cúpula poderá, no entanto, levar o encontro a ser lembrado como o momento de reencontro de velhos companheiros.

O reencontro poderia ser mais discreto. Soou, porém, como mensagem política.

O que se espera, depois da ampla divulgação das fotos dos dois presidentes, é que o processo de integração sul-americana reencontre suas vocações naturais – o aumento do comércio e dos investimentos, a cooperação em temas como a saúde pública, que faltou na pandemia, e, claro, maior aproximação entre os povos do subcontinente.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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