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Militares ludistas (por Paulo Delgado)

Os militares serem os autores intelectuais do combate a urna eletrônica demonstra o risco que corremos

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Militares do Ministério da Defesa visitam o TSE
1 de 1 Militares do Ministério da Defesa visitam o TSE - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Entender o Brasil está acima de meus meios e abaixo de meu desejo. Quando Roberto Campos disse que campanha eleitoral tem um dialeto próprio que consiste em prometer, mentir, acusar e gritar não era possível imaginar que os militares brasileiros iam se tornar o principal personagem desse pior tipo de política.

Um país cheio de problemas, mas com uma população governável, está se tornando sem solução e pode se tornar incontrolável, por culpa de militares ludistas que querem dar a urna eletrônica, um equipamento mecânico, expressão mais versátil do que a que se destina.

A absorção dos militares pela política – despreparados para a função, sem visão geopolítica, improvisados em qualquer um cargo – foi processada pela lógica da cooptação sindical.  Feita por um líder complacente e político arcaico e amargo, contra a ciência, o progresso e a razão, revela porque o Brasil é carta fora do baralho do poder mundial. O perigo que corremos nunca se deixa ver inteiramente.

Os militares serem os autores intelectuais do combate a urna eletrônica demonstra o risco que corre a inteligência de defesa de nossas fronteiras e a soberania nacional.  Claramente inspirada em militares ludistas que cercam o governo é uma contradição no país da Embraer e com programa de submarino nuclear.

Ned Ludd, personagem fictício criado pelo movimento operário inglês no Séc XIX estimulava a quebra das máquinas que substituíam o tear manual no início da industrialização. O movimento destruía fábricas, falava da fraude e do engano acusando o progresso de criar o desemprego. Só foi detido quando o parlamento propôs a pena de morte para os envolvidos.  Como o parlamento brasileiro é que se faz de morto, o presidente faz o que quer andando por aí, travesso, de velocípede de idoso.

Desacreditar como fraudulenta e enganosa uma máquina eletroeletrônica de circuito fechado, com software próprio, prevista no Código Eleitoral de 1932, marca brasileira, usada desde os anos 1990, que registra, coleta, armazena e contabiliza os votos dos eleitores de forma totalmente digital, é ludismo de militares retrógrados que expõem a vulnerabilidade de nossas Forças Armadas envolvidas com metas políticas e intenções agressivas.

Não há solução militar para toda meta política, nem saída legal para resolver falta de voto com solução de força. Diferente de vários países, igualmente democráticos, no Brasil o voto em urna é a única certificação que confirma o vencedor. Não há outra.

Um comandante das Forças Armadas que expressa opinião como patologia é um risco para uma boa política de defesa. E saber da vulnerabilidade do comando é elemento essencial para não fazer da improvisação um erro, um perigo para a nação. Nossa soberania parece atualmente secundária, se não sou punido por convidar embaixadores como aliado externo para desrespeitar regras internas. É a mais clara aplicação do princípio do precedente perigoso o Congresso Nacional ter deixado o presidente fazer o que fez pela primeira vez.

O governo brasileiro vem tornando medíocres todos os assuntos de democracia, segurança e defesa, podendo tornar o país desventuroso e ingovernável. Um insensato estado de coisas que desaperfeiçoa nossa relação interna como sociedade e nos enfraquece em relação ao mundo.

 

PAULO DELGADO, Sociólogo e Cientista Político foi constituinte de 1988. É Consultor e Conferencista.

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