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Lula, o camaleão (Por Hubert Alquéres)

Os argumentos de Lula para defender as ditaduras de Cuba, Nicarágua e Venezuela

atualizado

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Divulgação/Ricardo Stuckert
Lula e Olaf Scholz
1 de 1 Lula e Olaf Scholz - Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

Uma leitura otimista sobre o recente périplo de Lula pela Europa, quando foi tratado como estadista pela mídia e governantes europeus, veria na sua viagem uma importante inflexão do presidenciável petista em direção ao centro. Com ela, o candidato estaria acenando com uma relação mais estreita para as democracias ocidentais, em especial com a social-democracia europeia, que está no poder em países importantes como a Alemanha e a Espanha.

Lula estaria, assim, sinalizando com uma política externa bem diferente dos tempos do seu governo, quando priorizou as relações Sul-Sul, pautada por uma concepção terceiro mundista que o levou a ter relações estreitas com a ditadura venezuelana de Hugo Chávez e a cubana de Fidel Castro. Não estaria rompendo com antigos aliados, mas gravitando em torno de outro eixo.

Sua reunião com Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu e atual presidente da Fundação Friedrich Ebert, do Partido Social-Democrata Alemão, seria uma evidência clara dessa mudança de rota.

A ela corresponderia um movimento local de Lula também para se aproximar do centro, por meio de uma aliança com o ex-governador paulista, Geraldo Alckmin, na condição de candidato a vice-presidente em sua chapa.

Até onde isto é realidade ou desejo que leva muitos analistas a enxergarem Lula com os olhos cor-de-rosa em função do desastre do governo Bolsonaro no plano externo e interno, é algo a ser apurado com maior acuidade.

A ambiguidade é um dos traços da personalidade de Lula. Ele mesmo já se definiu como uma metamorfose ambulante.

Pode muito bem estar apenas fazendo movimentos táticos no sentido de tornar mais factível sua vitória na disputa presidencial, sem que isso represente mudança de mentalidade e atitude. A conveniência eleitoral pode estar falando mais alto, mas seus compromissos com as chamadas “ditaduras benéficas” ainda são os mesmos.

Prova disso foi sua declaração em entrevista ao jornal espanhol El País, quando colocou no mesmo patamar a democracia alemã e a espanhola com a ditadura nicaraguense. “Se Merkel ficou 16 anos no poder, por que Daniel Ortega não pode? Se Felipe Gonzalez ficou 16 anos no poder, por que Ortega não pode?” Teve de engolir a seco a resposta da jornalista do El Pais de que nem Merkel e nem Felipe Gonzalez mandaram prender opositores.

Não se tratou de uma frase dita em um momento infeliz. Ela está perfeitamente alinhada com a nota do Partido dos Trabalhadores saudando a “eleição” que confirmou a permanência do ditador nicaraguense no poder, como uma “grande manifestação popular e democrática”. E também sua defesa, na mesma entrevista ao Jornal espanhol, da ditadura cubana, cuja repressão a opositores do regime foi justificada pelo bloqueio americano.

Quando da passagem das comemorações dos cem anos do Partido Comunista da China, Lula fez rasgados elogios ao modelo chinês de ditadura de partido único, responsável por “a China ter um poder e governo fortes”. Ou seja, a supressão das liberdades no país de Xi Jinping se justificam em função do extraordinário crescimento de sua economia.

A concepção de “ditaduras benéficas” sempre foi cara à esquerda que não incorporou a democracia como valor universal.

Em nome das conquistas sociais, supostas ou verdadeiras, justifica-se a repressão, a prisão, a tortura e os assassinatos, quando praticados por “ditaduras de esquerda”. No passado, a defesa do estalinismo se dava porque ele tinha retirado a União Soviética do atraso e promovido conquistas sociais.

Os argumentos de Lula para defender as ditaduras de Cuba, Nicarágua e Venezuela não são muitos diferentes. A categoria mental é a mesma – a democracia não é um valor universal e ditaduras são bem-vindas quando promovem o desenvolvimento.

Na mesma linha Lula voltou a defender uma bandeira que lhe é cara: a “regulamentação da mídia”, que em seu governo os petistas chamavam de controle social da mídia. Aconselhado por seus companheiros a não tocar mais no tema para não sofrer desgaste, reincidiu na defesa agora, na viagem à Europa.

A ambiguidade de Lula se explica pelas contradições existentes na sua base de sustentação e no interior do seu partido, nos quais Cuba exerce um forte fetiche. E está arraigada em uma visão instrumental da democracia, como um mero expediente tático de se chegar ao poder.

Lula não pode romper com tais setores, que estão presos ao seu calcanhar como uma bola de ferro. Por isso quando se vê diante de questões incômodas, como sua posição diante da ditadura nicaraguense, apela para contorcionismo, comparando Ortega a Merkel.

Não convence. Mostra apenas que o camaleão até muda de cor, mas não deixa de ser camaleão.

 

Hubert Alquéres é membro da Câmara Brasileira do Livro, da Academia Paulista de Educação e do Conselho Estadual de Educação. Foi professor no Colégio Bandeirantes e na Escola Politécnica da Universidade da USP.

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