metropoles.com

Em zona de risco (por João Bosco Rabello)

Lira e Pacheco lideraram um processo que põe o Legislativo em zona de risco. A preservação do orçamento secreto aumenta a desconfiança

atualizado

Compartilhar notícia

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Coletiva sobre a reunião do comitê de combate à Covid. Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Queiroga
1 de 1 Coletiva sobre a reunião do comitê de combate à Covid. Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Queiroga - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Ao reafirmar o sistema das emendas de relator condenado pelo Supremo Tribunal Federal, e aprovar quase simultaneamente a PEC dos Precatórios, o Legislativo não só confronta ordem judicial, no primeiro caso, como contrata duas encrencas futuras.

Em qualquer banca de jurados, mesmo a menos qualificada, a recusa em abrir a planilha dos favorecidos e o destino das emendas milionárias, admitindo a transparência futura e não a pretérita, seria recebida como uma confissão de culpa, restando descobrir a extensão do crime.

Mais que isso, o Projeto de Resolução aprovado confirma o ditado de que o diabo mora nos detalhes. O texto não impõe a transparência, mas a torna uma liberalidade do relator das emendas, ao empregar o verbo “poderá” e não o “deverá” para a publicidade de nomes, valores e destinos das verbas.

Mesmo o futuro poderá ser nublado, é o que diz o texto aprovado. Nesse caso, nem no presente e nem no futuro, o Legislativo atende à determinação judicial, ao contrário do que os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente, sustentam.

No debate na Comissão de Constituição e Justiça, que precedeu a votação em plenário, em nenhum momento os defensores da PEC dos Precatórios contestaram o argumento de que seria possível garantir o auxílio Brasil sem rasgar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Simplesmente seguiram em frente com acordos que ampliam o passivo para o próximo governo.

Lira e Pacheco lideraram um processo que põe o Legislativo em zona de risco. A preservação do sigilo consolida a desconfiança interna e também externa, o que produz investigações não só de parlamentares preteridos, mas também da Polícia Federal. Fora aqueles que escapam à condição humana, mistérios não sobrevivem ao tempo, ensina a história.

O empenho no segredo autoriza a dedução de que as emendas de relator, uma vez expostas, guardam mais que privilégios e votos de aluguel e descortinam uma zona de sombras nas suas tramitações, execuções e observância das finalidades.

Já se tem um exemplo disso naquela em que ninguém menos que o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, patrocinou em causa própria para a construção de um mirante em terreno onde ergue um projeto turístico na longínqua Monte Gameleiras, no Rio Grande do Norte, seu domicílio eleitoral.

Não só finalidade desviada, mas tramitação também: Marinho buscou o carimbo do Ministério do Turismo para distanciar o benefício de seu gabinete. Já diversas vezes registrada, essa denúncia em nada resultou, em mais um episódio de naturalização do escândalo.

A PEC dos Precatórios mantém e amplia o passivo das dívidas transitadas em julgado, impondo ao próximo governo o ônus do “meteoro imprevisto” segundo a definição do ministro Paulo Guedes. A quem vier depois não haverá mais a fazer do que providenciar novos parcelamentos, consolidando uma versão macabra das mil e uma noites – o enredo que nunca termina para evitar a morte do narrador.

O orçamento secreto, versão atual dos “atos secretos” que o ex-diretor do Senado, Agaciel Maia conduziu anos atrás para controlar as nomeações em gabinetes, em algum momento levará o Legislativo às páginas policiais.

 

João Bosco Rabello escreve no Capital Político. Ele é jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública

Compartilhar notícia