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Doutrina Lula (por Cristovam Buarque)

Manter relações diplomáticas com diversos polos nacionais e multinacionais, mas com política externa orientada para o conjunto do mundo

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Hugo Barreto/Metrópoles
Imagem colorida mostra o presidente eleito Lula diante de um mural multicolorido. Ele está com uma das mãos na boca, dando a impressão de estar em reflexão - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra o presidente eleito Lula diante de um mural multicolorido. Ele está com uma das mãos na boca, dando a impressão de estar em reflexão - Metrópoles - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

No começo do século XX, o Ministro Barão do Rio Branco percebeu que o polo das decisões mundiais migrava da Europa para os Estados Unidos. Abriu a embaixada em Washington-DC e nomeou para embaixador Joaquim Nabuco, um dos mais respeitados políticos da época. Um século depois, o Ministro Celso Amorim e o Presidente Lula perceberam que a política internacional saia do polo norte-americano e ingressava em um mundo multipolar. A política externa brasileira adquiriu presença internacional e foi capaz de se relacionar com o mundo inteiro.

Passados vinte anos, no seu discurso na COP 27, no Egito, o presidente Lula apresentou nova doutrina: manter relações diplomáticas com diversos polos nacionais e multinacionais, mas com política externa orientada para o conjunto do mundo. No lugar de ver o planeta como a soma de países, tratar cada país como parte da Terra ej da Humanidade, com seus problemas globais: meio ambiente, migração, pobreza, comunicações, desemprego. Em vez de limitar as relações exteriores apenas à defesa dos interesses nacionais do Brasil diante dos outros países,colocar nosso país como parte do mundo e oferecer alternativas para as ameaças ao futuro de todos seres humanos. Foi esta doutrina que ele apresentou ao afirmar que a Amazônia é nossa, mas sabemos da responsabilidade de cuidarmos dela; também ao dar mensagem clara aos países ricos, de que eles têm responsabilidade com o meio ambiente, a pobreza, a migração. No Egito, Lula fez um discurso em que se colocou como líder de um novo tipo: estadista planetário; e colocou o Brasil como parte da solução para os problemas globais.

Já faz algumas décadas que a Terra e a Humanidade passaram a ser temas não apenas da geografia e da filosofia, apesar disto, a política continua nacional sem políticos para estes novos tempos, capazes de liderar seus eleitores para se sentirem responsáveis com o mundo. Na COP 25, em Copenhague, o Presidente Obama reconheceu que “não há presidente do mundo”, porque cada líder tem que responder aos interesses de seus eleitores nacionais no imediato, não ao mundo inteiro no longo prazo. O político que age para evitar o aquecimento do planeta ao final do século perde sustentação para aquele que oferece combustível fóssil barato antes das próximas eleições. Não há estadistas para o mundo: se fala para seus eleitores nacionais, não lidera na solução dos problemas planetários; se fala para o mundo, tende a perder sintonia e credibilidade com seus eleitores.

Lula se fez candidato a estadista planetário ao dizer que temos consciência de nossa responsabilidade para zelar por nossas florestas, cuidar de nosso povo, ser exemplo de democracia, com economia forte e eficiente, sociedade justa, com desenvolvimento sustentável. Ocupa esta posição por seu sentimento humanista e por seu carisma pessoal, mas sobretudo graças a ser presidente do Brasil, por nossa dimensão e porque somos o país que mais se parece com o conjunto dos países: temos os problemas do mundo e os recursos necessários para superá-los, nossos indicadores econômicos e sociais são próximos da média mundial. Os demais países ou são mais ricos – sem todos os problemas – ou mais pobres – sem todos os recursos. As pequenas ilhas do Pacífico que desaparecerão inundadas devido às mudanças climáticas, são demasiado pequenos para seus líderes terem representatividade mundial.

Mas o estadista planetário deve apresentar propostas para o mundo e ser bem sucedido ao dar soluções aos problemas nacionais. O presidente Lula precisará implantar no Brasil programas de desenvolvimento sustentável, combinar eficiência econômica com respeito à natureza, ser capaz de abolir a pobreza com democracia e responsabilidade fiscal e ecológica, garantir educação com a mesma qualidade para todas suas crianças, dando exemplo de como construir uma mente sintonizada com as necessidades do futuro. Precisará também contar com presença no mundo, especialmente nos órgãos internacionais que sirvam de plataforma à doutrina da paz ampla e contemporânea: não apenas entre países no planeta, mas dos países com o planeta; não apenas em benefício da geração atual, em benefício também das gerações futuras.

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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