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Direita e esquerda (por André Gustavo Stumpf)

Americanos investem em democracias de centro-esquerda na América Latina. Os russos apostam nos possíveis ditadores de centro-direita

atualizado

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Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro e Joe Biden
1 de 1 Jair Bolsonaro e Joe Biden - Foto: Alan Santos/PR

É muito perigoso ter opiniões definitivas em matéria de política internacional. Tudo muda. Nos anos oitenta, o governo dos Estados Unidos decidiu fornecer armamento especial para os guerrilheiros no Afeganistão que lutavam contra o invasor soviético. Municiaram os combatentes com uma arma pessoal que disparava um petardo capaz de abater os poderosos helicópteros utilizados pelo Exército Vermelho. Derrubaram montes deles. E contribuíram para que o invasor abandonasse o país.

No lugar do invasor, os combatentes assumiram o poder, ficaram com as armas e se constituíram no novo inimigo contra o qual o Exército dos Estados Unidos precisava lutar. A guerra acidental, sem motivo, nem propósito, provocou a morte de milhares de norte-americanos e civis. Só terminou com a retirada apressada e desorganizada promovida pelo governo do presidente Joe Biden. Ou seja, os norte-americanos treinaram, organizaram e entregaram armas ao inimigo, que agora está no poder naquele país.

Nas Américas, o governo dos Estados Unidos já se envolveu em operações políticas de grande profundidade. Em setembro de 1973, por exemplo, os serviços secretos daquele país financiaram uma greve de transportes no Chile que promoveu sério desabastecimento e abriu as portas para o golpe militar de Augusto Pinochet contra o presidente Salvador Allende. O presidente chileno morreu durante o violento ataque ao Palácio de la Moneda, sede do governo.

A política externa norte-americana é errática. Não segue linha previsível e contempla uma esdrúxula característica. O cargo de embaixador do país usualmente é concedido a quem faz a mais saborosa doação para o vencedor das eleições presidenciais. Assim as embaixadas dos Estados Unidos nos principais centros de poder do mundo são preenchidas por políticos provincianos que pouco ou nada entendem da realidade do país onde estão acreditados. Joseph Kennedy, pai de John Kennedy, embaixador dos Estados Unidos em Londres nos anos quarenta do século passado, advogou abertamente a favor do acordo de Churchill com Hitler. Era um entusiasta das ideias nazistas.

No mundo atual, na fotografia de hoje, há uma realidade inescapável. Um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Rússia, está em conflito aberto com os países europeus e com os Estados Unidos por causa da Ucrânia. O inverno chegou no hemisfério norte e não haverá energia para a calefação. As pessoas vão sentir muito frio em Berlim, Paris, Londres e arredores. Há urgente necessidade de substituir o petróleo originário da Rússia e encontrar fornecedor capaz de suprir, em curto prazo, o mercado com preço e pontualidade. E com produto de qualidade. O único país capaz desta proeza é a Venezuela que possui a maior reserva de petróleo do mundo.

Acontece que o país comandado por Nicolas Maduro é um pária internacional. Os Estados Unidos determinaram sua exclusão econômica, o que agravou ainda mais a grave situação financeira do país já desorganizada pela administração populista, desastrada e incompetente do sucessor de Chavez. Nenhuma empresa norte-americana poderia fazer negócios naquele país sul-americano. Mas o vento mudou e a necessidade falou mais alto. O governo Biden deu autorização a empresa norte-americana para realizar prospecção e exploração de petróleo na região de Maracaibo. Naturalmente o produto será vendido e parte da renda reverterá para os venezuelanos, que assim poderão sair da profunda recessão em que vivem.

A Venezuela deverá retornar a vida na comunidade das nações. E as relações entre Washington e Caracas serão, naturalmente, intermediadas pelo Brasil do presidente Lula. Os norte-americanos cessam as ameaças de invasão daquele país em troca de uma convivência pacífica e rentável para os dois lados. E o Brasil do novo presidente aparece nos Estados Unidos como o principal interlocutor na América do Sul. A pressa do presidente norte-americano em estabelecer relações estreitas com o brasileiro se explica pelas urgências da política internacional.

Bolsonaro, ao contrário, tentou estabelecer relações especiais com Vladimir Putin, logo antes da invasão da Ucrânia. Lula vai ter que se equilibrar entre um e outro polo de poder, sem esquecer da sempre presente China com seus vultosos investimentos no país. É interessante perceber que o jogo da diplomacia internacional muda de acordo com os interesses. Hoje os norte-americanos investem em democracias de centro-esquerda na América Latina. Os russos apostam nos possíveis ditadores de centro-direita. Nunca, desde a Revolução Francesa quando se criou o conceito, as definições de esquerda e direita valeram tão pouco.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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