DeepSeek: a hora de investir no talento brasileiro (Marcos Magalhães)
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, desenvolvido pelo ministério, prevê investimentos de R$ 23 bilhões até 2028
atualizado
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O grande debate sobre a supremacia global no século 21 ganhou altura após o anúncio, por uma empresa chinesa, de novo e mais barato modelo de inteligência artificial. Mas aqui, com os pés no chão da América do Sul, brota uma pergunta: e o Brasil, como fica nisso?
A China escolheu a dedo a data de lançamento do aplicativo: o dia da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em cerimônia que contou com a presença dos líderes das maiores empresas de tecnologia do país.
Se a DeepSeek já estava no radar das big-tech americanas, o novo produto ainda assim surpreendeu. Custou 30 vezes menos do que o aplicativo de inteligência artificial do Google. E mostrou que inovação não é exclusividade do Vale do Silício.
Como explicou o cientista pernambucano Silvio Meira, em entrevista à Folha de S. Paulo, o aplicativo apresenta novas formas de resolver problemas em setores como a matemática. Com alto nível de qualidade e baixo nível de investimento.
“O DeepSeek coloca em xeque a tríade de empresas americanas”, observou Meira. “Muda a geopolítica de poder da inteligência artificial de uma vez por todas”.
Do outro lado do mundo, o autor indiano Parag Khanna, estudioso de novas tendências da globalização, publicou 10 dias depois artigo em que lembra a importância da tecnologia na redefinição do poder no mundo.
“A maioria dos analistas de assuntos globais é de especialistas ou em geopolítica, ou geoeconomia, ou geotecnologia – mas raramente nos três”, escreveu. “No entanto, é precisamente a fluência em todos esses modelos que é essencial para entender o mundo de hoje: o balanço de inovação guia o balanço de poder”.
No século 19, expôs Khanna, as atenções estavam voltadas à geopolítica. No século 20, inclui-se na agenda a geoeconomia. E no século 21 entra em foco a geotecnologia.
No Brasil, talvez por motivos menos serenos, o anúncio da DeepSeek foi recebido com entusiasmo pela esquerda. Era um soco no estômago do império americano, quando a posse de Trump era acompanhada de perto pelos líderes das maiores empresas de tecnologia do país.
De fato, o novo modelo de inteligência artificial desenvolvido na China injeta um pouco de humildade no início da “Era de Ouro” prometida por Trump.
Existe, no entanto, outro bom motivo para saudar a inovação chinesa. Ela mostra que é possível desenvolver boa tecnologia sem rios de dinheiro. Como se indicasse que outros países do agora denominado Sul Global podem seguir o mesmo caminho.
O Brasil seria um deles? Pode ser que sim. E o desenvolvimento desse novo caminho poderia atrair mais energia política do que a torcida apaixonada diante do novo campo de competição entre duas grandes superpotências.
Também 10 dias após o lançamento do novo modelo chinês, a ministra brasileira de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, observou que o sucesso do DeepSeek indica que países emergentes podem competir no mercado de inteligência artificial sem investimentos bilionários.
“O aspecto mais importante dessa nova tecnologia é mostrar que o volume de recursos necessário para competir em IA não é inalcançável para países como o nosso”, disse ela.
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, desenvolvido pelo ministério, prevê investimentos de R$ 23 bilhões até 2028. Seus principais objetivos são os de “modernizar serviços, combater desigualdades e promover a inclusão social”.
Entre as primeiras ações estão as de utilização de inteligência artificial para combater a evasão escolar e para auxiliar diagnósticos por imagem na rede pública de saúde.
O plano prevê ainda a expansão do supercomputador Santos Dumont, no Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, para torná-lo um dos cinco maiores do mundo. Também propõe o desenvolvimento de um modelo de linguagem próprio em português de inteligência artificial.
Vai dar certo? Em tempo de crise fiscal, vai depender da manutenção do tema como prioridade do governo. Iniciativas federais podem estimular igualmente investimentos do setor privado no desenvolvimento da inteligência artificial.
O anúncio chinês mostra algo além da possibilidade de fazer mais com menos. Indica que o desenvolvimento tecnológico se torna possível quando existe foco e quando se investe em desenvolvimento humano.
O debate político ainda parece impermeável ao tema da inovação. Mas o futuro do país, em um mundo onde a competição se torna cada vez mais intensa, depende muito do investimento no talento brasileiro.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.