Cuidar uns dos outros (por Gustavo Krause)

O mundo atual expôs, a despeito dos avanços científicos e tecnológicos, graves fraturas sociais e ambientais

É o título da magnífica obra de Minouche Shafik (Intrínseca, Dez.2021), economista anglo-egípcia, dona de invejável currículo: vice-presidente do Banco Mundial, aos 36 anos (mais jovem dirigente da Instituição) e primeira mulher a dirigir a London School of Economics. Agrega a experiência acadêmica à gestão de políticas públicas no governo inglês e, como Baronesa da Coroa Britânica, integra a Câmara dos Lordes.

A tradução literal do título seria “O que devemos uns aos outros”. Porém a expressão “cuidar” reflete o conteúdo ético a que se propõe a autora na defesa de um novo contrato social. E o simbolismo da figura mitológica “Cuidado” reforça o compromisso de solidariedade entre pessoas e gerações.

O mundo atual expôs, a despeito dos avanços científicos e tecnológicos, graves fraturas sociais e ambientais capazes de pôr em risco o futuro da humanidade. Basta atentar para a configuração das mudanças ocorridas com sérios abalos sobre a democracia liberal e a ascensão do populismo; prestar atenção para a silenciosa e profunda transformação do papel da mulher no mundo moderno ainda que vítimas da violência e padrões culturais inaceitáveis; perceber a ameaça da emergência climática associada à devastação do capital natural; reconhecer as vulnerabilidades escancaradas pela pandemia, entre elas, a mais desafiadora: a desigualdade entre a riqueza extravagante e a miséria faminta (em 2021,  a fortuna das 500 pessoas mais ricas do Planeta aumentaram 1 trilhão de dólares).

Ao defender um novo contrato social, Minouche não usa a metáfora iluminista dos contratualistas para a criação da “sociedade política”. Refere-se à falta de educação para as crianças, de assistência médica para os pobres e de proteção para a velhice. Sua concepção assemelha-se a uma organização social em círculos concêntricos entremeados de empatia e responsabilidade.

Assim, reflete sobre a política: “Acho que a política não vai ser a mesma daqui a alguns anos, pode piorar, mas temos de fazer o possível para isso não acontecer. Meu livro é um manifesto antipopulista”

Com razão, complementa: “Muitos políticos direcionam as energias das pessoas para assumir discursos de ódio, violência política, divisões e hostilidade entre as pessoas”. Um novo contrato social se constrói a partir das aspirações concretas com a proteção institucional dos instrumentos de limitação e controle do poder: imprensa livre, movimentos sociais ativos e a força do pensamento crítico.

A eleição deste ano bate na porta da história. E se os candidatos almejam vitória, respeitem o cidadão e invistam no bem-estar das pessoas.

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