Congresso outra vez sob escrutínio (por Antônio Carlos de Medeiros)
A sociedade reage. E joga, outra vez, luz sobre o desempenho e a imagem do Congresso
atualizado
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As eleições gerais já estão na vitrine. As últimas pesquisas mostram que a sociedade brasileira mantém avaliação negativa dos políticos e do Congresso Nacional. O acordo político do presidente Bolsonaro com o Centrão ampliou o protagonismo do Congresso. Mas a prática das emendas parlamentares secretas, agora tornadas públicas, contribuiu para o aumento da avaliação negativa dos políticos.
Há poucos dias, a pesquisa CNT/MDA mostrou dados ruins sobre a relação dos eleitores com o Congresso. Menos da metade dos eleitores se lembram em quem votaram para deputado e senador: apenas 34,2% para senador e 33,3% para deputado federal. De cada dez eleitores, sete (70%) não conhecem nenhuma ação ou sabem do trabalho dos senadores do seu estado. E por aí vai. Pesquisa do Ipespe mostrou que 51% dos eleitores avaliam o trabalho do Congresso Nacional como ruim-péssimo, 35% como regular, e apenas 8% como ótimo-bom.
A sociedade reage. E joga, outra vez, luz sobre o desempenho e a imagem do Congresso. O que, então, esperar do Congresso para 2023? Em outubro os eleitores votarão pela renovação da Câmara e do Senado ou para manter o status quo? A crise ética é resultante da nossa herança patrimonialista? O pacto social da Constituição de 1988 chegou ao fim?
É evidente a baixa representatividade e legitimidade da Câmara Federal e do Senado da República. Isso resvala também nas Assembléias Legislativas estaduais: 68,7% dos eleitores não conhecem nenhuma ação ou sabem o que têm feito seus representantes, segundo a pesquisa CNT/MDA.
É claro que o nosso sistema eleitoral proporcional uninominal contribui para esta situação. O fim das coligações proporcionais vai melhorar a inteligibilidade do sistema. Mas ainda é preciso votar o projeto do sistema eleitoral distrital misto, para melhorar a inteligibilidade e aproximar o eleitor do eleito, além de diminuir o custo das eleições e, o que é mais importante, melhorar a proporcionalidade da representação do eleitorado na Câmara Federal.
A questão central é que nem a Câmara Federal representa adequadamente o povo, nem o Senado opera bem para representar os estados. Os deputados federais viraram “vereadores federais”. Estão aí as emendas parlamentares para mostrar isto. E os senadores, ao deixarem de ter o papel apenas revisor, viraram um misto de deputados e vereadores. As funções precípuas da Câmara e do Senado estão apequenadas e desvirtuadas.
Embora eles tenham muito poder, o varejo político desorganiza a possibilidade de atuação estratégica e efetiva. Predomina a pequena política do clientelismo, do corporativismo, do varejo, dos arranjos, e tudo mais que a sociedade condena. Tudo funciona para a manutenção e renovação dos mandatos dos parlamentares. Pouco de grande política. Muito de pequena política. São necessárias reformas políticas que resgatem o papel da Câmara como representante direta dos cidadãos e o papel do Senado como casa revisora representante dos estados.
Além da mudança do sistema eleitoral, a melhoria da representatividade passa também pela adequada representação dos estados. Isto pode acontecer se a distribuição do número de vagas destinada a cada Estado na Câmara Federal retornar o valor do índice de Gini ao patamar, por exemplo, de 1950, o seja, à escala próxima ao intervalo entre .24 e .35. Isto tornaria mais proporcional e legítima a formação da Câmara.
Limites mínimos de seis deputados nos estados menores e máximos de 70 deputados nos maiores, permitiriam maior equilíbrio – diminuindo a anomalia da super-representação dos estados menores e subrepresentação dos estados maiores. Esta anomalia, que vem do Pacote de Abril de 1977 e da Constituição de 1988, alvejou a democracia representativa.
Com a atual forma de funcionamento do Congresso, não se constrói nem legitimidade da representação política (os políticos eleitos), nem consensualidade no exercício do poder (governança).
No final das contas, o Congresso Nacional não cumpre bem as três grandes funções clássicas dos Parlamentos na democracia representativa: a iniciativa de leis; a fiscalização do Executivo; e a formação e renovação de elites e lideranças políticas. Esta baixa relevância, apesar do seu poder atual, é disruptiva para a democracia brasileira.
Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.