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Chavismo caboclo

A escalada da crise protagonizada por Bolsonaro com os militares sugere que o país corre o sério risco de assemelhar-se à Venezuela chavista

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Presidente Jair Bolsonaro é acusado de desmontar a comissão
1 de 1 Presidente Jair Bolsonaro é acusado de desmontar a comissão - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Editorial de O Estado de S. Paulo (8/6/2021)

 A escalada da crise protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro com os militares sugere que o País corre o sério risco de sofrer forte degradação democrática, a ponto de assemelhar-se à Venezuela chavista.

“Os militares daqui estão enfrentando o que os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista”, comparou Raul Jungmann, que foi ministro da Defesa no governo de Michel Temer. Em entrevista ao Estado, Jungmann disse que “Bolsonaro persegue o modelo de Chávez”, isto é, quer transformar as Forças Armadas em braço do bolsonarismo. “Os militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o confronto direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é que assim correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a disciplina”, alertou Jungmann.

Na mesma linha foi o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Também ao Estado, Maia descreveu como Bolsonaro está seguindo rigorosamente o manual chavista: tenta envenenar o processo eleitoral, ao questionar as urnas eletrônicas; hostiliza a imprensa livre; intervém na estatal de petróleo, submetendo-a a seus interesses políticos; busca transformar as Polícias Militares estaduais em milícias bolsonaristas; neutraliza o Congresso por meio de distribuição desavergonhada de verbas, abaixo dos radares republicanos; e ataca sistematicamente o Supremo Tribunal Federal, além de inocular os órgãos de fiscalização e controle com a toxina bolsonarista. Como disse a historiadora Lilia Schwarcz à revista The Economist, basta ler o Diário Oficial para perceber que Bolsonaro dá “um golpe por dia”.

Já advertimos várias vezes, neste espaço, sobre a marcha bolsonarista rumo a uma versão cabocla do chavismo (ver especialmente os editoriais O bê-á-bá do chavismo, de 31/1/21, e A hora da verdadeira oposição, de 4/2/21). Os sinais dessa degeneração são tão evidentes que não podem ser mais ignorados, especialmente agora, quando Bolsonaro dá um passo concreto na tentativa de transformar as Forças Armadas em sua guarda pretoriana.

A crise está contratada. Ao levantar dúvidas sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que amalgama os militares a seu governo, Bolsonaro semeia confusão e tenta intimidar quem porventura não aceite viver sob seu tacão.

Há um ano, à TV Cultura, o ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, descreveu com precisão o cerne do problema: “As Forças Armadas não podem se identificar com o governo porque numa democracia existe alternância de poder. Se as Forças Armadas são governo e o governo é derrotado nas urnas, as Forças Armadas são derrotadas e acabou. Evidentemente isso não pode acontecer”. Na mesma ocasião, o ministro Barroso também já alertava para o que chamou de “chavização”, isto é, a multiplicação de militares em cargos no governo: “Isso é o que aconteceu na Venezuela”.

Não é prudente ignorar tantos alertas e tantos sinais. Quando Bolsonaro se refere ao Exército como “meu Exército”, não é mera figura de linguagem. Ao dobrar o número de militares no governo em relação à administração de Temer, Bolsonaro deixou claro que pretendia enredar as Forças Armadas em seus devaneios golpistas. Considerando-se que cresceu em cerca de 30% a presença de militares da ativa no governo, essa relação fica ainda mais forte – e o caso da submissão humilhante de um general, Eduardo Pazuello, aos interesses de Bolsonaro, sob a vista grossa do Comando do Exército, foi o ponto alto, até agora, dessa genuflexão militar ao presidente.

Timidamente, o Congresso começa a reagir à militarização do governo promovida pelo bolsonarismo, ao articular uma Proposta de Emenda Constitucional que proíbe a atuação de militares da ativa em cargos de natureza civil no Executivo. É uma medida necessária, pois aos militares da ativa é vedada a atividade política – que é essencialmente o que se faz num governo. Mas talvez seja tardia: a esta altura, a identificação forçada por Bolsonaro entre ele e os militares já não depende mais de quem usa o crachá do governo.

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