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América Latina: o risco da irrelevância (por Marcos Magalhães)

Oportunidades perdidas não faltam na história da América Latina

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1 de 1 Mercosul1 - Foto: WIKIMEDIA COMMONS

Todos os que sonham em ocupar o terceiro andar do Palácio do Planalto a partir de 2023 já sabem, admitam ou não, que encontrarão pela frente um quadro de sérias dificuldades políticas e econômicas. O que pesquisadores chilenos nos indicam agora é que os desafios à espera do novo inquilino não se limitam ao país, mas se estendem por toda a região.

É o que mostra o estudo Risco Político América Latina, que acaba de ser divulgado pelo Centro de Estudos Internacionais da Universidade Católica do Chile. O documento aponta desafios em áreas como a polarização política, a crise migratória, a mudança climática e o que chama de “erosão democrática”, acentuada pela pandemia.

A América Latina, segundo os estudiosos chilenos, experimentou um momento especialmente difícil durante a pandemia. Ainda que hospede menos de 10% da população mundial, ressaltam, a região ocupa quatro postos entre os países com o maior número de mortes por coronavírus em todo o mundo: Brasil, México, Peru e Colômbia.

Apesar de haver demonstrado poder de reação na distribuição de vacinas, sugere o texto, a região ainda enfrenta grandes riscos sanitários, porque demorou a agir e, quando o fez, optou por um caminho de isolamento. Cada país seguiu suas próprias regras sanitárias.

Essa falta de coordenação e de visão política estaria ligada à incapacidade de superar divergências ideológicas e buscar um diálogo mais profundo e permanente. A regra se aplica ao recém-criado Prosul – ideia da diplomacia bolsonarista para enterrar a Unasul – e se estende a outros órgãos, como a Celac.

O Mercosul, prossegue a análise, atravessa seu “pior momento”, enquanto a região demonstra incapacidade de tirar proveito do processo em curso em vários países de relocalização das cadeias globais de suprimento, para evitar a dependência da China.

Esse processo – que tem recebido nomes em inglês como on-shoring, near-shoring ou re-shoring – poderia representar uma oportunidade para a região. Mas a sua capacidade foi limitada por falta de capital humano, boa regulação e déficit de infraestrutura.

“A integração energética, o desenvolvimento da quinta geração de telefonia celular e os novos desafios globais requerem maior coordenação e cooperação”, dizem os autores do documento. “Um objetivo de visão comum que está cada vez mais distante e que torna a América Latina cada vez mais irrelevante no concerto mundial.”

Democracia

Se a pandemia não produziu a resposta necessária na economia, por outro lado, os vírus parecem haver contaminado as instituições políticas. Segundo o documento, vários governos da região aproveitaram as restrições sanitárias para “debilitar o estado de direito, as liberdades e os controles institucionais”.

O estudo cita problemas “recorrentes” de governabilidade no Peru e no Equador e ataques contra organismos eleitorais em países como Brasil, El Salvador, México e Peru. A característica mais marcante desse processo de deterioração democrática, assinala o documento, é que “as ameaças provêm predominantemente de governantes eleitos que provocam a erosão das instituições e das liberdades”.

A publicação inclui um gráfico da Economist Intelligence Unit que demonstra o grau de desenvolvimento da democracia em cada país da região. Argentina (6,95), Brasil (6,92) e Paraguai (6,18) passam com notas razoáveis e são considerados “democracias defeituosas”.

As mais desenvolvidas “democracias plenas” da América Latina, de acordo com a Economist, são Costa Rica (8,16), Chile (8,28) e o vizinho Uruguai (8,61).

No ano de 2022, três países poderão colocar suas democracias em teste. Haverá eleições presidenciais na Costa Rica (6 de fevereiro), Colômbia (29 de maio) e Brasil (2 de outubro). Tudo isso em um ambiente de crescente polarização política.

A Colômbia será como uma pré-estreia da radicalização que se espera na campanha eleitoral brasileira. Ali, o candidato mais bem cotado, até o momento, nas pesquisas é Gustavo Petro, um ex-integrante do movimento guerrilheiro M-19.

Ele sugere na campanha que a Colômbia, terceiro maior produtor de petróleo da América do Sul, com 700 mil barris diários, componha um bloco político destinado a se afastar gradualmente da economia de combustíveis fósseis e investir na economia do conhecimento.

Na opinião dos autores da análise, existe o risco de que durante o “superciclo eleitoral” aumente o uso de campanhas de desinformação que apostam na “polarização extrema” e corroem os “cimentos democráticos”.

Investimentos

Nada poderia ser mais nefasto à atração de capitais estrangeiros para estimular a economia regional, tão afetada pela pandemia. Segundo números da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), o investimento estrangeiro direto na região em 2020 foi de US$ 105 bilhões, o mais baixo da última década, com queda anual de 37%.

O quadro de incerteza política pode atuar contra a atração de novos investimentos – da mesma maneira, como sublinha o estudo, que atitudes distantes de novas tendências globais, como o controle de preços na Argentina e a prioridade do México a combustíveis fósseis.

“Da região dependerá”, ressalta o estudo, “que a chamada onda verde pelo estímulo de energias mais limpas, o hidrogênio verde e a indústria do lítio sejam uma oportunidade de desenvolvimento no século 21 ou uma nova possibilidade perdida em meio à instabilidade política, à debilidade institucional e à falta de segurança jurídica para o investimento”.

Oportunidades perdidas não faltam na história da América Latina. O problema é que o novo momento mundial exige decisões rápidas e sensatas. Caso contrário, como alertam os analistas chilenos, a região dará mais um passo em direção à irrelevância.

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