A volta do “mais honesto”

Lula tenta reinventar imagem após vitórias no STF

Editorial de O Estado de S. Paulo (20/9/2021)

As decisões judiciais favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva têm servido ao seu partido não só para proclamar sua suposta inocência, mas reinventar a sua imagem. Tripudiando da memória dos brasileiros, o PT espera apagar seu passivo de incompetência, corrupção e negacionismo, anunciando-se a solução para as agruras do presente, como se não fosse um dos grandes responsáveis por muitas delas.

As revisões judiciais revelam mais as falhas da Justiça que as virtudes de Lula. Sua defesa contestou os vícios dos processos, não o seu mérito. Nunca houve explicações convincentes para casos como os do sítio ou do triplex. Se, com anos de atraso, a Suprema Corte declarou a suspeição do juiz de primeira instância, anulando as acusações que agora prescrevem, isso limpa a ficha eleitoral de Lula, mas sua ficha moral segue suja – em dimensões que extrapolam o âmbito judicial.

Em ininterrupta campanha eleitoral, o PT liberou recentemente uma peça de propaganda comparando a gestão de Jair Bolsonaro à de Lula. Não é por lapso de seus marqueteiros que as menções terminem em 2010. Assim como Bolsonaro tenta se desvencilhar de sua responsabilidade pelo desastre pandêmico, Lula tenta se desvencilhar da sua pelo desastre econômico que foi a década perdida de 2010, talvez a de menor crescimento desde a República Velha.

Após a conciliação promissora, mesmo surpreendente, no primeiro mandato, com a arquitetura econômica legada pelo governo FHC e a expansão de seus programas sociais, a gestão Lula aproveitou o boom das commodities para impulsionar o consumo, ampliar redes assistencialistas e injetar esteroides nos “campeões nacionais”, negligenciando as condições para um crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação.

A contabilidade criativa de Dilma Rousseff – o poste do qual Lula tenta se desvencilhar – precipitou a economia no buraco do qual busca sair a duras penas com mecanismos de saneamento fiscal como o teto de gastos que Lula promete demolir. O negacionismo bolsonarista das ciências médicas não é menos acintoso que o negacionismo lulopetista das ciências econômicas.

Mas o legado do PT não se limita à recessão: há o mensalão e o petrolão. O partido, que há pouco acusava a Justiça de conspirar com as elites para perseguir o “pai dos pobres”, agora louva a sua idoneidade. Mas se “esquece” de que essa Justiça condenou seus correligionários por roubalheira bilionária. Nunca houve explicação, muito menos retratação, por tão volumosos malfeitos e tão celerados malfeitores. Ao contrário: seguem consagrados como “guerreiros do povo brasileiro”.

É fácil posar de moderado ante um delinquente político como Bolsonaro. Mas, recentemente, aquele que se anuncia como a esperança da democracia lamentou que o Brasil não tenha um partido com o mesmo “controle e poder de comando” do regime totalitário chinês. Quando milhões de cubanos foram às ruas, Lula acusou o bloqueio dos EUA – sem o qual Cuba seria uma “Holanda” –, silenciando sobre a ditadura mais longeva e sangrenta das Américas.

De resto, também o bolsonarismo é de algum modo uma criatura lulopetista. Em sua política belicosa do “nós contra eles”, tanto o PT acusou por toda parte um fascismo imaginário que o fascismo real se materializou. Ninguém duvida que a onda de votos que elegeu Bolsonaro foi motivada muito menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo do que pela aversão a um quinto mandato petista. Seria irônico, não fosse trágico, que agora a criatura sirva de álibi para ressuscitar seu criador.

Não se pode nem sequer dizer que, ante a ameaça Bolsonaro, o PT queira uma anistia por sua incompetência, seus escândalos de corrupção, seu vandalismo sobre a moralidade pública, porque anistia pressupõe o reconhecimento de culpa. No caso do PT, como no inferno de Sartre, os culpados são sempre os outros.

Tal como Bolsonaro se elegeu aterrorizando o eleitorado com a visão de um novo mandato petista, Lula, que já se qualificou como “a alma mais honesta” do Brasil, conta com o pavor de um novo mandato bolsonarista para arrancar dele seus votos. Em troca, promete repetir milimetricamente o que os governos lulopetistas já fizeram e que pavimentou o caminho para o desastre econômico, político e moral no qual o País está metido.

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