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A República do dono da bola (por Felipe Sampaio)

Presidencialismo de coalizão passa a impressão de que o presidente, ao tomar posse, vira uma espécie de refém dos partidos políticos

atualizado

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Bolsonaro é chamado de genocida por parlamentares
1 de 1 Bolsonaro é chamado de genocida por parlamentares - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Brasil adotou, há mais de século, um tipo de República em que o presidente pode tudo. Chamar nosso modelo de “presidencialismo de coalizão” foi não só eufemismo como também interpretação conveniente.

Presidencialismo de coalizão passa a impressão de que o presidente, ao tomar posse, vira uma espécie de refém dos partidos políticos, parlamentares e governadores perversos, restando-lhe o casamento para obter maioria, como se fosse acometido de uma síndrome de Estocolmo.

Na verdade, ocorre o inverso. Sendo o Brasil “o país do futebol”, os políticos e seus mantenedores logo perceberam (ou decidiram) que o dono da bola é que manda no jogo. Isso veste bem tanto o figurino das “quatro linhas da constituição” quanto o das quatro linhas do campo.

Um episódio do magnetizante Chico Um Artista Brasileiro (Netflix) serve como paródia involuntária do modelo presidencialista brasileiro. Anfitrião de peladas de fim de semana no campo de seu time, o Politheama, o compositor Chico Buarque reunia amigos e colegas artistas para animados embates amadores vespertinos.

Em um dos jogos, Chico ajeita a bola com a mão e chuta de voleio. Gooool! – grita o compositor João do Vale, que na ocasião era o árbitro da partida. Os jogadores adversários cercam o juiz protestando “Não foi gol, foi mão!”. Com naturalidade, João do Vale responde “Como não? Chico é o dono da bola, do campo, das camisas e ainda é meu produtor musical! Foi gol e ponto final!”.

É assim na política brasileira. O presidente da República é o dono da bola, do campo, do juiz, chegando ao ponto, nos últimos anos, de ter se apoderado até mesmo da camisa canarinho.

Ou seja, só tem jogo se o presidente quiser ou deixar. É provável que essa cultura centralista descenda do modelo imperial em que o rei acumulava os poderes Executivo e Moderador, o que o tornava o dono da bola da época.

 

Felipe Sampaio é cofundador e colaborador do Centro Soberania e Clima (CSC) e ex-secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020); https://capitalpolitico.com/

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