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A inadequência do pagamentável (por Gustavo Krause)

Estado democrático x estado autoritário; burocracia ineficiente e corrupta x burocracia funcional e cidadã

atualizado 31/10/2021 3:50

A partir de janeiro, o governo deve começar a selecionar novas famílias para o programa Hugo Barreto/Metrópoles

A estupidez do populismo furou o teto dos gastos. A conta está chegando e o povo pagando.

Na passagem pelo Ministério da Fazenda, recebi em audiência, no Recife, uma figura curiosíssima, Argemiro Sapiência. Não era sobrenome. Era apelido. Tinha solução para tudo e não perdia a chance de aconselhar autoridades sobre qualquer assunto.

Magro, alto, nariz aquilino, óculos de lente grossa, de terno preto, venceu a paciência do meu chefe de gabinete que suplicou: – Ministro, por favor, atenda o “Doutor Sapiência” em nome da minha saúde mental. Ele prometeu não tomar mais que cinco minutos”.

Apesar do choque visual de mau agouro, não alterei a gentileza habitual e convidei o conterrâneo para tomar assento. Ele foi direto: – Não, há necessidade, Excelência, vim cumprir o dever de cidadão e dizer ao senhor que, desde as caravelas de Cabral, aqui trazidas por ventos inesperados, até hoje, o maior problema brasileiro é a inadequência do pagamentável. Resolva e passará para a História.

Com um forte aperto de mão, girou nos calcanhares e disse: – agora vou comemorar, bebendo “a gasosa da imensidão”. O que é isso – Doutor Sapiência? A deliciosa água de coco.

Avisaram-me que ele era autor de expressões indecifráveis. Fiquei a ruminar sobre a “inadequência do pagamentável”: a ficha caiu, seguida por sonora gargalhada: equilíbrio fiscal, ou seja, não gastar mais do que arrecada; não se endividar adoidado, dar calote e perder a credibilidade.

Doutor Sapiência foi ao cerne etimológico do vocábulo economia: a regra da casa, de qualquer “casa”: família, paróquia, clube de futebol, empresas e governos. Gastar mais do que recebe termina na mão do agiota (ou do rentista) e aí dívida/inflação matam, prioritariamente, os mais pobres.

No caso brasileiro, o debate sobre a reforma do Estado partiu de falsos dilemas: não é estado mínimo x estado máximo, mas entre estado republicano x estado patrimonialista; privatização x estatização e, sim, entre estado democrático x estado autoritário; burocracia ineficiente e corrupta x burocracia funcional e cidadã.

No campo teórico, há ideias para todo gosto: Hayek x Keynes; Friedman x Samuelson; Estruturalistas x Monetaristas; Heterodoxos x Ortodoxos, sem contar com a bizarrice de políticos generosos da gastança x técnicos malvados da austeridade.

A direção da economia depende da Política e, no conceito lapidar de Afonso Arinos de Mello Franco, “Não existe a boa ou a má política. O que existe é a Política ou a não-política”.

No Brasil, a estupidez do populismo fiscal furou o teto dos gastos. A conta vai chegar. E o Doutor Sapiência tem razão.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda