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A fenomenologia dos juros (por Antônio Carlos de Medeiros)

Feitas as contas, cada 1 ponto percentual de taxa de juros significa um gasto de 0,6% do PIB com gastos com dívida. É um círculo vicioso

atualizado 24/03/2023 0:41

Reprodução/ Twitter

É recorrente o tensionamento entre “expansionistas” e “monetaristas”. Pelo menos desde Keynes.

Agora, aqui, mais uma vez. Este novo tensionamento, iniciado pelo presidente Lula, terá sido efetivo e positivo se resultar em nova síntese. Nova síntese entre a política monetária e a política fiscal. O Banco Central manteve a taxa de juros em 13,75% e, literalmente, peitou o governo. Mas o ministro Haddad ainda tem a expectativa de harmonia e síntese. Trabalha nesta direção, com o chamado novo arcabouço fiscal.

Fatos e fenômenos precisam ser levados em conta, para além dos dogmas. Na tradição da fenomenologia, o modelo científico terá êxito quando estabelecer uma “verdade provisória”, que será verdade até que um fato novo mostre outra realidade (na trilha de Husserl).

O fato novo é que a taxa de juros reais está matando o doente. E que a inflação não é de demanda. Os juros retroalimentam a dívida pública e estimulam o desequilíbrio fiscal. Feitas as contas, cada 1 ponto percentual de taxa de juros significa um gasto de 0,6% do PIB com gastos com dívida. É um círculo vicioso.

A economia não é uma ciência exata. É uma arte. Sujeita às incertezas da própria economia real e da evolução da sociedade. Portanto, a política econômica precisa de reajustes recorrentes. Reajustes conjunturais e estruturais. Neste momento, as premissas “monetaristas” não estão alinhadas com os fatos. Portanto, são premissas inválidas.

Dito isto, também há que se lembrar aos “expansionistas” que é preciso, sim, reestruturar gastos e focalizar novos investimentos (inclusive em capital humano e saúde, claro). Reestruturar significa diminuir o peso de subsídios, desonerações e benefícios fiscais no Orçamento Geral da União (OGU). E, também, reestruturar o RH do setor público, que tem duplicidade de funções e, até, funções que não são mais necessárias na realidade digital. Reestruturar é diferente de cortar indiscriminadamente. O OGU tem, ainda, um crescimento vegetativo inercial de projetos e itens orçamentários que são anacrônicos, isto é, não são mais prioridades e necessidades.

Dei esta volta toda para dizer que a tensão só vai diminuir quando o conflito distributivo for mitigado. Com reestruturação de gastos e com crescimento dos investimentos públicos e privados. Há expectativa de que a viagem do presidente Lula à China e aos Emirados Árabes venha a resultar em volume significativo de investimentos internacionais no Brasil. Investimentos liderados por uma possível adesão do Brasil ao “Belt&Road” (Cinturão&Rota), que é uma iniciativa chinesa mundial de investimentos em infraestrutura.

Este fato novo, ao lado da síntese entre o fiscal e o monetário, ajudaria a ancorar as expectativas. Investimentos produtivos gerando crescimento. E a síntese entre o fiscal e o monetário gerando confiança. A possibilidade de um ciclo virtuoso.

É fato que a financeirização do capitalismo tem óbvias repercussões na economia brasileira. Está alimentando uma indústria de fundos financeiros que estimulam o rentismo e não se dirigem adequadamente para investimentos produtivos. No mundo, vale lembrar que os 500 + do ranking da Fortune destinaram US$ 5 trilhões para recompra de ações. E que a maioria dos fundos privados se voltam para os mercados financeiro e imobiliário. Não se dirigem para áreas estratégicas com efeitos multiplicadores nas economias.

Neste sentido, a financeirização é regressiva, do ponto de vista da riqueza social e da prosperidade. Um círculo vicioso que vai “matar” o capitalismo brasileiro e já diminuiu mais ainda a produtividade e o PIB potencial.

É isto que desejamos? Queremos continuar, sem prosperidade, ameaçando a estabilidade da democracia brasileira?

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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